Diogo Lisbona Romeiro, FGV Ceri: 'Não há medidas fáceis para se equacionar a tarifa de energia elétrica'
Romeiro analisa os desafios para uma reestruturação do setor elétrico que freie a escalada de encargos que onera a conta de luz e promova maior progressividade.
Diogo Lisbona Romeiro, pesquisador do FGV Ceri. (Foto: Divulgação)
Na semana passada, o Rio de Janeiro recebeu a nona edição do Encontro Latinoamericano de Economia da Energia (ELAEE), que teve entre seus organizadores Diogo Lisbona Romeiro, pesquisador do FGV Ceri. Em conversa para Blog Conjuntura Econômica, Romeiro faz um balanço do evento – que reuniu 300 participantes de 30 países –, e analisa os desafios para uma reestruturação do setor elétrico que freie a escalada de encargos que onera a conta de luz e promova maior progressividade.
Quais foram os destaques da ELAEE este ano?
O ponto forte da discussão, em geral, foi como tirar a integração energética da região do papel. Temos algumas interconexões físicas históricas, como a de Itaipu, mas há muito mais oportunidades. Ainda que o momento político não seja simples, as discussões buscaram dar uma visão de mais longo prazo, de forma a destravar essa agenda. Um ponto destacado por Ruben Chaer, diretor do operador do sistema elétrico uruguaio, por exemplo, foi a importância de avançar no campo regulatório, para facilitar a construção desse caminho, favorecer uma infraestrutura que historicamente existe, mas acaba ficando ociosa. Travas nesse sentido podem dificultar inclusive o desenvolvimento de novos modelos de negócios. Pedro Jatobá (diretor-geral da Cepel) foi incisivo ao destacar o tamanho da fronteira do Brasil com seus vizinhos, e seu papel nessas iniciativas de integração.
O megacampo de gás Vaca Muerta, na Argentina, esteve entre os focos dessa integração?
Sim, na mesa em que se discutiu as fronteiras de óleo e gás. Alvaro Rios, (sócio-diretor da Gas Energy Latin America), defendeu a bandeira do uso do Gasbol, gasoduto que transporta o gás boliviano ao Brasil. Apesar dos últimos meses de anúncios de investimento, há uma perspectiva de redução da produção e do excedente exportável da Bolívia, então existe um grande potencial de trazer gás de Vaca Muerta para o Brasil, com poucas modificações nessa infraestrutura.
Ainda é preciso pensar em como seria remunerada a passagem do gás pela Bolívia, quais seriam os custos. Assim como as decisões de investimento em contratos de médio/longo prazo – e aqui o cenário político também pode ser inibidor neste momento. Mas vale lembrar que hoje temos um gap importante desse insumo, pois o Brasil ainda não produz gás a preço competitivo. Essa importação pode ajudar pelo menos para contratos que não sejam tão de longo prazo, e que se consiga fazer isso com uma multiplicidade de importadores, gerando uma dinâmica mais competitiva.
Recentemente, o presidente Lula cobrou ao ministro de Energia um projeto de reestruturação do setor elétrico, apontando a preocupação com o valor das contas de luz. Esse tema foi debatido?
Há vários temas que tocam na questão tarifária. Ashley Brown (Kennedy School of Government) mencionou questões sobre a geração solar, a geração distribuída, que faz parte desse debate. Especialmente em países de renda média, e que os decis mais baixos de distribuição de renda, que não terão condições de investir em painéis solares, são os que acabam sofrendo mais com os encargos na conta de luz, frutos de subsídios cruzados que bancam os incentivos a essa geração, o que torna essa política regressiva.
Estamos assistindo a um crescimento muito acentuado dessa energia, que tem como maior fonte de incentivo é o programa de net metering, de compensação de energia. Na Califórnia, que foi pioneira no net metering nos anos 1990, houve parâmetros mais comedidos do que no Brasil. Aqui, por exemplo há um prazo de cinco anos para aproveitar o crédito; aqui se compensa a energia, enquanto na Califórnia se compensa o valor monetário. Na Califórnia, o espaço regulatório que mencionei permitiu revisões dessa política, adaptar a mudanças que foram ocorrendo, como no custo dos painéis. Na primeira revisão, por volta de 2016, institui-se uma tarifa chamada time of use, com valores diferentes ao longo do dia. Mais recentemente, fez-se uma nova revisão prevendo um valor variável também para quem está exportando energia ao sistema, em valores mais próximos da variação do preço da eletricidade ao longo do dia. Com isso, incentivou-se a quem instalasse painéis solares a também investir em baterias para armazenar energia durante o dia e exportar no horário que a rede mais precisa, ajudando o sistema a reduzir a geração termelétrica.
No caso do Brasil, a Aneel foi pioneira no desenho da política no âmbito regulatório. Depois, com a lei debatida e aprovada no Congresso, se perdeu o espaço regulatório para revisitar parâmetros. Hoje está tudo cristalizado numa lei, que cedo ou tarde teremos que revisitar.
Outro ponto importante que deverá ser observado é a renovação das concessões de distribuição que representam cerca de 60% do mercado. Essa questão da geração distribuída é uma pressão grande de expansão, e hoje há incentivo e sinais para que essa ampliação continue, com redução gradual até 2029. Será preciso rever os parâmetros dessa política pois, nesse prazo, com o custo caindo e o crescimento das tarifas, leva-se a uma sobreoferta estrutural. Por outro lado, tem-se ainda a necessidade de se preocupar com segurança no suprimento. Recentemente, o Ministério fez uma minuta sobre o novo leilão de reserva de capacidade. Qual o perigo? Antes, você tinha um driver de expansão da matriz que vinha das distribuidoras, que olhavam seu mercado cativo, projetavam a demanda e isso alimentava os leilões. Agora o cenário envolve decisões descentralizadas, seja por geração distribuída, seja num ambiente livre em que a elegibilidade aumentou.
A reserva de capacidade é o mecanismo que o governo hoje tem hoje para contratar recursos mirando segurança. Quando você olha esse desenho, o governo é quem determina seu tamanho; se ele erra, torna o custo dessa contratação maior do que precisaria. Então tem um desafio de dimensionamento dos recursos que a gente precisa e a forma como a gente precisa. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), pode dizer: agora preciso contratar recursos para poucas horas no ano, mas se o contrato que sai dessa contratação diz que o empreendedor tem que estar disponível para qualquer tempo ou qualquer quantidade de energia, isso torna uma contratação cara. Se não for incluída a resposta da demanda dentro dessa contratação no leilão, eu reduzo a contestação de preço. Ou seja, como o Brasil vai dar sinais e introduzir a resposta da demanda para se ter uma precificação mais adequada? Senão, estaremos sempre contratando recurso que pode ser mais caro do que a demanda responderia se tivesse sinal de preço.
No ELAEE, várias apresentações apontaram a esse desafio estrutural brasileiro. Jorge Arbache (ex-vice-presidente de Setor Privado da CAF), por exemplo, citou o desafio do hidrogênio verde, segmento em que somos potencialmente competitivos, mas se essa produção for direcionada à exportação, sem adicionar valor agregado, onerando a tarifa do consumidor doméstico, será um desserviço. Joisa Dutra (diretora FGV Ceri), tratou da Amazônia, de como sairemos do custo de energia na região, que representa um terço da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), onde se concentram os subsídios cruzados que acabam na conta de luz dos consumidores. Dutra abordou como destravar soluções carbonização na Amazônia para reduzir esse custo.
Quais os riscos embutidos nesse debate?
O fato é que não há varinha mágica: é preciso eliminar penduricalhos de projetos de lei que acabam passando no Congresso, rever a política de geração distribuída. Ou seja, todas são mudanças estruturais. Nenhuma medida fácil, como transferências, solucionará essa questão.