Isaac Sidney, da Febraban: 'Político experiente, afeito ao diálogo, Haddad já assumiu compromisso com o crescimento, agenda social e reponsabilidade fiscal'

Entre os objetivos do novo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está a principal meta de emplacar a reforma tributária, que há pelo menos quinze anos tramita no Congresso Nacional

Isaac Sidney_ SANGUENOSZOIO Isaac Sidney, presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). (Foto: Divulgação)

Emplacar a reforma tributária, que há pelo menos quinze anos tramita no Congresso Nacional, está entre os principais objetivos do novo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O assunto é também um dos principais holofotes do mercado, que respondeu, em parte, contrária a indicação do ex-prefeito da cidade de São Paulo ao cargo do executivo. Um elo entre esses dois olhares político e econômico pode reduzir as assimetrias da gestão.

A conexão está em importantes figuras do time responsável pela produção das propostas de emenda à Constituição (PEC) que estão em tramitação no Congresso. Ambas foram desenvolvidas a partir de textos apresentados pelo economista Bernard Appy - que voltou ao ministério da Fazenda como secretário especial para a reforma tributária após ocupar função semelhante na pasta, de 2007 a 2009, no segundo mandato de Lula. Como também a participação do economista Gabriel Galípolo, ex-presidente do Banco Fator, como secretário executivo da pasta- com quem Haddad tem alinhamento de visão de mundo.

“A escolha de Galípolo para compor a equipe econômica reduz assimetrias ao incorporar um gestor acostumado a lidar com o mercado financeiro. Incorpora também um economista capaz de compor, articular e desenhar propostas de política para uma agenda estratégica, desenvolvimentista e voltada à reindustrialização”, avalia Cristina Helena Pinto de Mello, professora de economia da ESPM. “É uma agenda que atende à reconfiguração de cadeias produtivas regionais ao mesmo tempo que atende à intenção de uma nova inserção internacional da economia brasileira”, afirma.

Para o novo governo, Haddad explica que foram definidos quatro pilares para a área econômica de acordo com os anseios do presidente Lula: reforma tributária; gestão do gasto público; aspectos essenciais para o desenvolvimento; e melhora das relações do Executivo com outros poderes, e confirma que serão anunciadas medidas para a economia seguir no rumo certo. “Temos um trimestre para anunciar as medidas necessárias para colocar a economia brasileira no rumo certo. A partir de abril, com as comissões instaladas na Câmara e no Senado, podemos endereçar as mudanças estruturais que o Brasil precisa”, afirmou.

CRISTINA HELENA MELLO_NOVAPR_008Cristina Helena Pinto de Mello, professora de economia da ESPM. (Foto: Divulgação)

Compromisso fiscal

O compromisso com a estabilidade fiscal, que causa divergências entre governo e parte do mercado, é o ponto central para o cenário econômico do Brasil neste ano. De acordo com Paulo Gala, professor na Escola de Economia de São Paulo / FGV, é preciso que haja um substituto eficaz para o teto de gastos para, então, conquistar um contexto mais favorável, com câmbio por volta de R$ 5 (ou menor), inflação mais baixa e juros menores.

O especialista ressalta que a PEC de R$ 150 bilhões não preocupa, porque está na mesma proporção dos gastos extras feitos pelo atual governo em 2022, e afirmou considerar a regra do teto de gastos muito rígida, lembrando que não tem sido cumprida nos últimos anos.

paulo-galaPaulo Gala, professor na Escola de Economia de São Paulo / FGV. (Foto: Divulgação)

Gala pontuou que é “necessário substituir a regra do teto por um mecanismo que seja eficaz e bem acolhido pelo mercado”. Por outro lado, ele acrescenta que “se o governo não estabelecer uma regra fiscal eficiente e ‘crível’ do ponto de vista do mercado financeiro, o cenário seria desafiador, com câmbio atingindo R$ 6, inflação em alta e juros em ascensão”, conclui.

Bom momento

O economista aproveitou para elogiar a postura “fiscalista” de Fernando Haddad e de Gabriel Galípolo, ressaltando que este último é um grande entusiasta das parcerias público-privadas para destravar investimentos. “Vislumbro uma avenida de expansão de parcerias público-privadas no país com a nova equipe econômica”.

Sobre inflação e, consequentemente, juros, Gala destaca destaca, que a taxa de câmbio terá impacto fundamental sobre esses dois pontos. Mas, o especialista ressalta que o país possui US$ 320 bilhões de dólares em reservas cambiais, o que aliviaria um pouco a pressão sobre o câmbio, caso o cenário mais difícil se concretize. O economista pondera, no entanto, que o Brasil está “resistindo bem” ao choque de juros americano, que é surpreendente, porque o contexto americano tem como consequência uma escassez maior de investimentos externos no Brasil.

Novela das PECs

A reforma tributária tramita no Congresso Nacional há mais de 15 anos. A partir de 2019, as principais propostas apresentadas foram a PEC 45, que está na Câmara, e a PEC 110, no Senado, que substituem tributos que se sobrepõem por um único imposto, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Já nos moldes de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), o PL de nº 3.887/20 unifica o PIS/Cofins em uma só contribuição social chamada CBS - e o PL nº 2.337/21 - que apresenta reformas para o Imposto de Renda. Haddad quer se basear nas PECs 110 e 45 para conversar com os parlamentares. O ministro também informou que pretende antecipar o envio do projeto complementar com as novas regras fiscais para que a proposta caminhe junto com a reforma tributária.

Natal Eduardo Natal, mestre em direito tributário pela PUC-SP. (Foto: Divulgação)

Para Eduardo Natal, mestre em direito tributário pela PUC-SP, existe forte inclinação para uma mudança nas hipóteses de incidências tributárias, principalmente em relação aos tributos incidentes sobre o consumo.

“Se será uma verdadeira reforma, com a modificação da tributação federal, estadual e municipal, ou se serão mudanças pontuais, apenas nos tributos federais como a CBS e Imposto de Renda, por exemplo, só saberemos após uma eventual formação de maioria no Congresso”, avalia. O tributarista diz que “uma profunda reforma só será possível por emenda à Constituição, e isso depende de um quórum de três quintos na Câmara e no Senado”.

O setor bancário, por exemplo, está otimista com o que ouviu de Haddad até agora. "Político experiente, o também ex-prefeito de São Paulo, afeito ao diálogo e com qualidades reconhecidas, Haddad já assumiu compromisso com o crescimento, agenda social e responsabilidade fiscal, como demonstrou em discurso durante o almoço anual de dirigentes de bancos", aponta Isaac Sidney, presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

Compromisso fiscal

O compromisso com a estabilidade fiscal, que causa divergências entre governo e parte do mercado, é ponto central para o cenário econômico do Brasil neste ano. De acordo com Paulo Gala, professor na Escola de Economia de São Paulo/ FGV, é preciso que haja um substituto eficaz para o teto de gastos para, então, conquistar um contexto mais favorável, com câmbio por volta de R$ 5 (ou menor), inflação mais baixa e juros menores.

O especialista ressalta que a PEC de R$ 150 bilhões não preocupa, porque está na mesma proporção dos gastos extras feitos pelo atual governo em 2022, e afirmou considerar a regra do teto de gastos muito rígida, lembrando que não tem sido cumprida nos últimos anos. Gala pontuou que é “necessário substituir a regra do teto por um mecanismo que seja eficaz e bem acolhido pelo mercado”. Por outro lado, ele acrescenta que “se o governo não estabelecer uma regra fiscal eficiente e ‘crível’ do ponto de vista do mercado financeiro, o cenário seria desafiador, com câmbio atingindo R$ 6, inflação em alta e juros em ascensão”, conclui.

Gabriel GalípoloGabriel Galípolo, ex-presidente do Banco Fator. (Foto: Divulgação)

Bom momento

O economista aproveitou para elogiar a postura “fiscalista” de Fernando Haddad e de Gabriel Galípolo, ressaltando que este último é um grande entusiasta das parcerias público-privadas para destravar investimentos. “Vislumbro uma avenida de expansão de parcerias público-privadas no país com a nova equipe econômica”.

Sobre inflação e, consequentemente, juros, Gala destaca que a taxa de câmbio terá impacto fundamental sobre esses dois pontos. Para um cenário não tão positivo, ele lembra das reservas cambiais, que hoje estão em US$ 320 bilhões de dólares, e seriam um alívio para a pressão deste câmbio. O especialista lembra, no entanto, que o país conta com um bom desempenho ao choque de juros americano que tem como consequência a escassez de investimentos externos no Brasil.

Composição

De acordo com Cristina Helena, o passado de Haddad na gestão pública, na Secretaria de Finanças, na prefeitura da cidade de São Paulo, com destaque de sua passagem no Ministério da Educação, revelam a habilidade na composição de equipes, definição de agenda e entregas estratégicas e relevantes.

"É um grande negociador político e estrategista, que terá habilidade em fazer uma política econômica direcionada ao crescimento e mantendo a evolução da dívida sob controle. Seu compromisso com o equilíbrio fiscal e senso de urgência se revelou quando apoiou o ex-ministro da economia Joaquim Levy, na tentativa de ajuste fiscal do governo de Dilma Rousseff", avalia a professora de economia da ESPM.

O lado negociador de Haddad deve ser bem explorado no relacionamento com Simone Tebet, ministra do Planejamento e Orçamento, pasta extinta no governo anterior e recriada por Lula. Simone admitiu divergências com o time econômico, que além de Haddad também conta com Geraldo Alckmin, ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, e Esther Dweck, ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, pasta que tem entre suas atribuições discutir a reforma administrativa

Apesar dos desafios, o ministro da Fazenda afirma que o sistema tributário está sendo planejado e será mais eficiente, ao mesmo tempo que retirará o peso das famílias de baixa renda. A pasta vai trabalhar com a missão de recuperar as contas públicas, combater a inflação e fazer com que o país volte a crescer com sustentabilidade e, principalmente, com prioridade social.

MercadanteEx-ministro da Educação e da Casa Civil, Aloizio Mercadante. (Foto: Divulgação)

Desenvolvimento

O sistema tributário brasileiro é considerado um dos mais complexos no cenário mundial. E, segundo o Tiago Slavov, professor do Programa de Mestrado em Ciências Contábeis da FECAP e coordenador do Núcleo de Apoio Fiscal e Contábil (NAF) da mesma instituição, se a reforma conseguir avançar, a simplificação do sistema tributário pode ser um aquecimento na economia do País, com reflexos em todas as atividades e na própria arrecadação do governo.

“São vários os benefícios potenciais da reforma, não somente para as empresas, mas também para os cidadãos. Embora as mudanças propostas não afetem prioritariamente a carga tributária, ao melhorar a tributação dos produtos e serviços, a simplificação reduzirá custos para as empresas na apuração dos impostos, que poderão repassar a economia para os preços de produtos e serviços”, exemplifica o professor.

Na opinião de Slavov, as reduções nas distorções provocadas com as legislações complexas também aumentarão a eficiência da economia. Um dos setores a serem impactos é a logística de produtos. Atualmente, as empresas podem operar em locais distantes dos clientes por conta do benefício fiscal na localidade. Isso pode mudar com a eliminação dessas distorções tributárias, levando as empresas para mais próximos dos clientes, reduzindo custos e aumentando eficácia nas entregas.

Taxação e equivalência

Uma das principais bandeiras do governo, a taxação das grandes fortunas, é defendida como uma alternativa para diminuir as desigualdades dentro da política tributária brasileira. Em contrapartida, o risco de evasão de investimentos para outros países é pontuado por especialistas como o advogado especializado em direito empresarial, Fernando Brandariz. “Qualquer cogitação sobre esse assunto levará os residentes fiscais brasileiros a investirem em país os quais não têm o imposto sobre grandes fortunas”, avalia.

Outro entrave em torno da proposta está na definição do conceito de grande fortuna. Brandariz explica que há dois projetos nesse sentido em tramitação, com uma grande diferença de valores entre eles.

“Um desses projetos compreende que grande fortuna equivale a um patrimônio superior a R$ 2 milhões e o outro entende que deve ser acima de R$ 10 milhões. A discussão sobre esse valor será intensa”, acredita Brandariz.

Para o advogado, o debate acerca da proposta é um caminho sem volta a partir de agora, por se tratar de uma promessa de campanha. Por outro lado, acredita que a aprovação da taxação não deve ser rápida. “A medida precisa ser discutida porque existe na Constituição Federal a obrigatoriedade da União em legislar sobre o tema”, esclarece.

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Fernando Haddad, ministro da Fazenda. (Foto: Reprodução/Agência Brasil)

BNDES

O ex-ministro da Educação e da Casa Civil, Aloizio Mercadante, foi anunciado como presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Na análise de Cristina Helena de Mello, da ESPM, a experiência de governos anteriores mostra que o papel da instituição pode ir além do que é desempenhado atualmente.

“A atuação do banco nos governos Lula e Dilma foram fortemente criticados por sua discricionariedade. Uma alternativa de atuação, menos intervencionista e mais direcionadora, como foi as ações da instituição na década de 1990, no sentido de financiar a infraestrutura e a exportação que compuseram o IBRX. O indicador de desempenho médio das cotações dos ativos de maior negociabilidade e representatividade do mercado de ações brasileiro. Essas ações permitiram novas emissões a capitalização via mercado acionário. Portanto, a questão que se coloca parece estar mais associada à forma de atuação e não relacionada à essência desenvolvimentista”, analisa.

A reforma tributária

Em síntese, as principais mudanças alcançam os tributos sobre vendas e serviços, em que as propostas reduzem a quantidade de tributos (ICMS, IPI, PIS, COFINS, II, ISS, IE, entre outros), a quantidade de alíquotas e as inúmeras exceções e tratamentos específicos em cada tributo. As mudanças, até então, não alcançam a carga tributária - quanto se paga -, mas os processos de cálculo dos tributos (como se paga).