'Brasil mostra resiliência no comércio exterior, apesar dos desafios', diz Lia Valls, do FGV IBRE

Especialista analisa o cenário comercial brasileiro, ainda sem influência direta das medidas do governo Donald Trump.

Lia Valls, IBRELia Valls, pesquisadora do FGV IBRE. (Foto: Divulgação)

Mesmo que no primeiro bimestre as trocas comerciais brasileiras com o mundo ainda não estivessem sob a influência direta das medidas comerciais do governo Donald Trump, o superávit registrado em comparação ao mesmo período do ano anterior foi significativamente menor. O Icomex do FGV IBRE indica que, no acumulado de janeiro e fevereiro de 2025, o saldo foi positivo em US$ 1,9 bilhão, contra US$ 11,3 bilhões no primeiro bimestre de 2024. Em fevereiro, a balança foi deficitária em US$ 0,3 bilhão, contra um saldo positivo de US$ 5,1 bilhões em fevereiro de 2024. As principais influências no agregado do ano foram a queda nas exportações agropecuárias e o déficit comercial com a China.

Lia Valls, pesquisadora do FGV IBRE, afirma que saldos negativos não são incomuns em início de ano, especialmente quando os embarques agrícolas ainda começam a ser realizados. “Isso aconteceu em janeiro de 2020 e de 2019”, exemplifica, citando ainda que para o resultado deste ano contribuiu não apenas a redução do volume e valor exportados como o aumento das importações – em que se destacam a compra de uma plataforma flutuante da China, por US$ 2,7 bilhões, bem como o aumento das compras brasileiras de produtos agropecuários, com alta de 22,6% no bimestre em relação a 2024.

O Icomex indica que o encolhimento das exportações brasileiras neste começo de ano se deu principalmente no volume, com menor diferença na evolução de preços, que tanto no comparativo de 2025/24 quanto de 2024/23 registraram queda. Olhando por setores, a redução nos embarques em relação a 2024 se deu exclusivamente no campo das commodities, com uma retração de 10,3% em valor (que envolve tanto a variação de preços quanto de volume), enquanto em 2024 as exportações de commodities no primeiro bimestre haviam registrado alta de 29,5% em relação a 2023. Os produtos classificados como não commodities, por sua vez, tiveram variação positiva de 21,2% em valor.

Dentro do grupo das commodities – que respondem por 65% das exportações brasileiras –, a maior queda foi entre os produtos agropecuários, com retração de 7,6% no bimestre sobre o mesmo período de 2024, com extrativa recuando 2,5% na mesma comparação.

Analisando o comércio por país de origem/destino das trocas brasileiras, alguns movimentos chamam a atenção. Entre eles, o aumento de exportações para nossa vizinha Argentina, em especial no setor de automóveis, de 172% em relação ao primeiro bimestre de 2024, correspondendo a 22% da pauta comercial com o país. Para União Europeia e Estados Unidos, destaca-se a liderança do petróleo bruto – aumento de 1,3% para os EUA, representando 15% da pauta comercial com o país, e de 52,6% para a União Europeia, com participação de 25% no total exportado para esse destino. Valls também chama a atenção para o aumento, em termos de valor, de café para ambos os destinos – 36,5% para os EUA e de 60,3% para a UE. Ela ressalta, entretanto, que esse aumento é exclusivamente resultado do aumento de preços do produto – que também no Brasil foi um dos que mais pressionaram a inflação de alimentos. “No bimestre janeiro-fevereiro, as exportações brasileiras totais de café registraram aumento de 67% em preço, mas queda de 5,2% em volume, resultando uma alta de 58% em valor”, destaca.

Mas é a China que se destaca no resultado do semestre, com uma reversão significativa do resultado quanto comparado a 2024: déficit de US$ 3,2 bilhões no primeiro bimestre deste ano, contra superávit de US$ 5 bilhões no mesmo período do ano passado. A retração nas vendas de commodities, do lado da oferta, e a importação de plataforma do lado das importações explicam o resultado. Lia considera que, diante das boas projeções para a safra brasileira de grãos, esse resultado melhore a partir de março. “Por enquanto, nada na economia chinesa aponta a uma queda de demanda de soja, por exemplo”, afirma. Valls ressalta, entretanto, que as perspectivas de demanda do produto brasileiro podem mudar caso Trump reedite o acordo feito com a China em sua primeira gestão, que garantiam a compra pelo país de cotas mínimas de carne e soja americanas, entre outros produtos. “Para o Brasil, isso implicaria um impacto alto, mas por enquanto não há definições nesse sentido.”

No caso da tarifa de importação de 25% aplicada pelos Estados Unidos a produtos siderúrgicos e de alumínio importados pelo país de qualquer origem, Valls cita no Icomex estudo do Ipea que calcula o impacto negativo dessa medida em 0,01% do PIB e 0,03% das exportações. No caso das exportações totais para os Estados Unidos, o recuo estimado seria de 36,2%.