Fernando Veloso: 'Estudos mostram efeitos positivos das reformas trabalhista e tributária no Brasil. Seria um desperdício não aproveitar o potencial de crescimento'
Pesquisador analisa os impactos e possibilidades de crescimento com as reformas no Brasil.
Fernando Velosopesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV IBRE) da Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro. (Foto:Divulgação)
Semana passada o FMI divulgou seu relatório anual sobre a economia brasileira (Article IV). Embora o texto enfatize a importância de aprimorar o arcabouço fiscal para estabilizar a trajetória de crescimento da dívida pública, um ponto que chamou atenção foi a revisão para cima da estimativa de crescimento do PIB potencial, de 2,0% para 2,5% a.a. no médio prazo.
Dentre as razões elencadas para essa revisão positiva destacam-se as reformas implementadas nos últimos anos e, em particular, a reforma tributária aprovada no final do ano passado e que se encontra em processo de regulamentação no Congresso. Essa avaliação baseou-se em pesquisas acadêmicas e estudos do FMI resumidos no relatório.
Neste artigo vou discutir as evidências recentes sobre os efeitos da reforma trabalhista sobre o emprego, produto e produtividade, além de estimativas sobre o impacto potencial da reforma tributária sobre vários indicadores de desempenho da economia brasileira.
Começando pela reforma trabalhista, já mencionei neste espaço um estudo de Renata Narita e coautores (“Labor Courts, Job Search and Employment: Evidence from a Labor Reform in Brazil”), mas vale a pena detalhar um pouco mais os resultados. Embora a maioria dos analistas procure avaliar os efeitos da reforma trabalhista com base no número de vagas formais geradas pelos novos contratos de trabalho criados pela reforma, o foco dos autores é a expansão do emprego formal resultante da redução da insegurança jurídica.
Em particular, os autores examinam os efeitos sobre o emprego e nível de produção decorrentes dos dispositivos da reforma trabalhista que transferiram parte ou a totalidade dos custos legais para os trabalhadores em caso de litigância infundada ou considerada de má fé.
Os resultados mostram que a redução dos incentivos para a judicialização explicam a grande queda do número de processos na Justiça do Trabalho nos dois anos após a aprovação da reforma em 2017. Isso, por sua vez, diminuiu consideravelmente o custo esperado das empresas com processos trabalhistas, o que gerou uma forte expansão do emprego formal e da produção. Segundo os autores, a redução da insegurança jurídica contribuiu para uma queda de 1,7 pontos percentuais da taxa de desemprego.
O relatório do FMI, por sua vez, estima o impacto da queda dos processos trabalhistas sobre a produtividade total dos fatores (PTF) das firmas brasileiras. Foram utilizadas informações de mais de 4500 empresas e bases de dados sobre produtividade das firmas (Orbis global database), emprego (PNAD Contínua) e número de processos trabalhistas (Tribunal Superior do Trabalho).
Os resultados mostram que, em consequência da redução da litigância trabalhista, ocorreu um aumento de 5% da PTF agregada. O impacto foi ainda mais forte nas empresas intensivas em trabalho, que tiveram uma elevação da PTF de 15% em relação às empresas menos intensivas em trabalho.
Alguns estudos também encontram efeitos positivos de uma reforma tributária nos moldes da que será implementada no Brasil. Em particular, uma pesquisa de Pedro Ferreira e coautores publicada no mês passado em um periódico acadêmico internacional (“Tax Reforms and Network Effects”) investiga os efeitos de uma reforma tributária que cria um IVA nacional, utilizando um modelo de equilíbrio geral com relações de insumo-produto e parâmetros obtidos a partir de dados brasileiros.
Os autores examinam os efeitos positivos resultantes da eliminação de duas distorções. A primeira é a heterogeneidade de alíquotas entre diferentes produtos e setores, que resulta em ineficiência na alocação dos fatores de produção. A segunda é a cumulatividade na tributação, que encarece artificialmente os bens intermediários e também resulta em perda de eficiência.
Os resultados mostram que a reforma tributária pode gerar um aumento de 7,9% do PIB. O maior efeito decorre da eliminação da dispersão das alíquotas de tributação, com aumento estimado do PIB de 6,0%. Outro resultado interessante é que, com poucas exceções, mesmo os setores que terão sua carga tributária aumentada obterão lucros mais altos. A razão é que a redução do custo dos insumos intermediários e a expansão da demanda de outros setores desencadeada pela reforma mais do que compensam o aumento da tributação.
O relatório do FMI também faz uma avaliação do impacto da reforma tributária do Brasil, não somente sobre a atividade econômica, mas também considerando seus aspectos distributivos. São realizadas simulações com base em dois modelos de equilíbrio geral. O primeiro modelo considera um setor produtor de bens finais que utiliza bens intermediários e é utilizado para simular o efeito da eliminação da tributação dos insumos. O resultado é uma elevação do PIB de 11% em comparação com a situação atual.
O segundo modelo incorpora a heterogeneidade de setores e domicílios, além das diferenças entre o setor formal e informal, e áreas urbanas e rurais. A eliminação da tributação em cascata aumenta o PIB em 6% e a formalização das áreas urbana e rural em 6% e 7%, respectivamente. Além de ganhos de eficiência, o relatório do FMI revela que a reforma tributária contribui para reduzir a carga tributária das famílias mais pobres, embora o número elevado de exceções diminua seu efeito redistributivo.
Existem, portanto, evidências sólidas sobre os efeitos positivos das reformas trabalhista e tributária no Brasil. Para que sejam plenamente obtidos, no entanto, é indispensável que o arcabouço fiscal seja sustentável. Seria um grande desperdício não aproveitar o potencial de crescimento criado pelas reformas.