Joisa Dutra: “The good, the bad and the ugly” na transição energética e no Brasil
O “Global Clean Energy Action Forum” na semana passada e aprovação de US$ 369 bi para combater mudanças climáticas pelos EUA são avanço, mas atraso dos emergentes em tecnologia e tropeços e recuos no Brasil são problemáticos.
Joisa Dutra é doutora em Economia pela FGV e foi diretora da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), entre 2005 e 2009. (Foto: Divulgação)
O título desse artigo é um tributo a um filme de 1966, que tem no elenco Clint Eastwood, e que se tornou um clássico, figurando em várias listas dos 50 maiores filmes de todos os tempos. Seu título se tornou expressão idiomática usada para se referir, por exemplo, a um tema cuja abordagem apresenta aspectos positivos (the good), negativos (the bad) e partes que poderiam ou deveriam ter sido melhores (the ugly), só que não foram. Vejo como adequado para descrever o cenário atual da transição energética e nossas respostas Brasil. Sigo essa estrutura aqui.
O que é bom - Ação em inovação tecnológica para a descarbonização
Semana passada aconteceu em Pittsburgh, nos Estados Unidos, o primeiro “Global Clean Energy Action Forum (GCEAF)”. O evento congrega duas plataformas, a 13a. reunião do Clean Energy Ministerial e a 7a. reunião do “Mission Innovation”. Os números reportados pela secretária de Energia dos Estados Unidos, Jennifer Granholm, dão conta de que mais de 7000 pessoas participaram do evento, dentre elas eu, que incluiu centenas de reuniões para discutir como acelerar a transição energética. Grande parte da euforia se deve à recente aprovação do Inflation Reduction Act, comemorado pacote bipartidário aprovado no Congresso Norte-Americano, que prevê alocar US$ 369 bilhões em investimentos para combater mudanças climáticas, reduzir custos da energia, criar empregos e revitalizara indústria norte-americana em setores de energia limpa, como solar, eólica, captura de carbono e hidrogênio.
O evento concluiu com anúncios, fruto da coordenação internacional para acelerar uma transição energética justa. Um dos destaques foi o compromisso de financiar em conjunto mais de US$ 94 bilhões em projetos demonstração em novas tecnologias de energia. Essa quantia supera o desafio colocado pelo Presidente Joe Biden, de mobilizar US$ 90 bilhões de recursos públicos até 2026 em projetos dessa natureza.
A descarbonização depende de modo crítico de tecnologias que não foram inventadas e ou que não alcançaram viabilidade comercial, tema de minha última coluna. Logo, avanço científico e inovação tecnológica são fundamentais para gerar esses empregos e revitalizar a atividade econômica em bases sustentáveis, com ganhos de eficiência e competitividade para a economia. Sem isso, as reduções de custos e os aumentos de empregos rumo ao Net Zero dependem de transferências de riqueza entre grupos, com efeitos temporários. Nesse contexto, é alvissareiro o compromisso de avançar para a etapa da Ação, tema do GCEACF, que depende de desenvolver projetos de demonstração.
O que é ruim - Um mundo dividido em PD&D para tecnologias de energia limpa
Mas esses números ocultam uma dura realidade subjacente à transição energética. Não há economias emergentes dentre o grupo de 16 países que firmaram o compromisso de alocar fundos públicos para projetos demonstração em tecnologias de energia limpa. O mundo está dividido em dois blocos: o primeiro inclui economias desenvolvidas, China e Índia; do outro lado figuram os demais países – Brasil inclusive.
A (política de) inovação em tecnologias de energia limpa é central para responder às estratégias de mudança climática e de crescimento verde. Nas próximas décadas, o grupo de economias emergentes e em desenvolvimento será responsável por uma parcela significativa das emissões de gases de efeito estufa. Apesar de sua menor capacidade técnica e de recursos para gerenciar e se adaptar ao novo cenário, esses países arcarão com grande parcela dos impactos e das consequências das mudanças climáticas.
Desde que foi lançada, a plataforma “Mission Innovation” tem contribuído para acelerar pesquisa, desenvolvimento e demonstração (PD&D) em tecnologias de energia limpa. Como resultado, verifica-se aumento da participação dos recursos alocados em PD&D. Mas esse aumento se dá basicamente no grupo de países integrantes da OCDE, mais China e Índia.
As razões para essa divisão são conhecidas: no outro grupo faltam investimentos em P&D e principalmente demonstração, capacidade técnica e acesso ao capital. Esses fatos foram amplamente documentados no Relatório de Investimentos 2022 da Agência Internacional de Energia. Mas isso não deve nos impedir de abordá-lo. Evitar esse cenário não desejável e reverter o gap recomenda fortemente a expansão e transformação do cenário de inovação energética para torná-lo mais inclusivo. Tudo isso com base em políticas bem desenhadas, com base em ciência e evidência, e bem implementadas.
O que é feio - Nossa política de inovação no caminho do Net Zero
Enquanto isso, por aqui o Congresso Nacional frequentemente atua na direção contrária. Na apreciação do Medida Provisória 1118/2022, o Deputado Danilo Fortes (União/CE) incluiu emendas que estendem prazo dos benefícios em descontos de tarifas de usos de redes de transmissão e distribuição para tecnologias que já atingiram maturidade. Esse episódio é apenas mais um de uma lista que inclui direcionamento de recursos provenientes da capitalização da Eletrobras para gás natural e PROINFA, as sucessivas tentativas de criação do Brasduto e suas variações.
É de lamentar também a falta de uma estratégia para avanço em PD&D em tecnologias de energia limpa. O resultado é nos ancorarmos no passado, comprometendo nossa capacidade de atingir os US$ 2 trilhões de investimentos que se estimam necessários para a descarbonização do Brasil até 2050 (dados apresentados pelo BCG no “Brazil Climate Forum”).
Esse tipo de reflexão é muito oportuno, pois no próximo domingo será escolhido o novo Congresso.
Conclusão
Nas discussões travadas no “Brazil Climate Forum”, em Nova Iorque, o país se coloca como muito bem-posicionado para aproveitar seu potencial, atuando como catalisador da transição para uma economia de baixo carbono, inclusive ofertando soluções para outros países. Para que esse potencial se torne realidade, fundamental reverter esse quadro de divisão, desenhando e implementando uma estratégia para que a descarbonização seja vetor de inovação tecnológica, geração de empregos e renda em tecnologias de energia limpa. E com foco na ação. Tudo isso para evitar o final do filme do título, onde quase todos morrem no final – exceto o bom, que se salva.