Carlos Pascual, da S&P Global: Países precisam criar alternativas para um cenário energético instável e Brasil precisa definir uma política de transição
As energias eólica e solar continuam no radar; a eletrificação da frota de automóveis não necessariamente é a solução mais adequada para todos os países - o modelo híbrido brasileiro se adequa a essa lógica; e a produção de hidrogênio começa a dar sinais de ser economicamente atrativa e pode se tornar realidade na próxima década.
Carlos Pascual, vice-presidente Sênior de Energia Global e Assuntos Internacionais da S&P Global. (Foto: Reprodução)
A crise energética provocada pela guerra na Ucrânia jogou tintas realistas no cenário de transição energética para a neutralização de carbono mundial até 2050, mas não reduziu a necessidade de investimento em energias renováveis, ainda que com um plano de voo diferente do imaginado pré-conflito, onde agora ganha peso a segurança energética.
No X Seminário sobre Matriz e Segurança Energética, promovido pela FGV Energia, especialistas destacaram o papel que os combustíveis fósseis terão nesse caminho e defenderam a necessidade de o Brasil definir sua política de descarbonização, colaborando para o arranjo de cada indústria dentro de um contexto que, afirmaram, não terá fonte nem rota tecnológica única. No encontro, especialistas do setor destacaram que a conjuntura mundial abre uma janela de oportunidades para o Brasil que não deve ser desperdiçada.
Carlos Pascual, Vice-Presidente Sênior de Energia Global e Assuntos Internacionais da S&P Global, destacou no evento algumas mensagens apontadas pela conjuntura global de hoje - e que países como o Brasil, com potencial de ser um ator relevante nesse mercado, devem considerar. Entre elas, de que as energias eólica e solar continuam no radar; que a eletrificação da frota de automóveis não necessariamente é a solução mais adequada para todos os países - o modelo híbrido brasileiro se adequa a essa lógica; e que a produção de hidrogênio começa a dar sinais de ser economicamente atrativa e pode se tornar realidade na próxima década.
“Os Estados Unidos estão mostrando isso. Países que começarem a investir no setor agora ficarão mais bem-posicionados para fornecer a seus mercados e exportarem”, afirmou.
Ele ressaltou a disposição das principais economias mundiais, Estados Unidos e China, em manter investimentos na geração de energia limpa.
“No caso dos Estados Unidos, ainda que o preço da gasolina tenha sido fator sensível nas eleições deste ano e continuará sendo para as presidenciais de 2024, o governo entende que caminhar para a descarbonização não se trata somente de questões climáticas, mas de competição econômica no futuro”, afirma.
Um exemplo é o pacote chamado Inflation Reduction Act, assinado pelo presidente Joe Biden em agosto, que prevê US$ 370 bilhões em gastos e abatimento fiscal para incentivar o uso de energias renováveis.
“Além de projetar dobrar a capacidade de geração solar e eólica, o país está efetivamente focado no potencial da produção de hidrogênio, apontando a possibilidade de um custo de produção abaixo do observado para o gás natural, o que tem atraído a atenção de muitas empresas que avaliam migrar seus investimentos para lá”, afirma, reforçando o potencial dessa fonte na matriz futura global.
Investimentos em energia e combustíveis renováveis
em US$ bilhões, países selecionados
Fonte: Fonte: Renewables 2022 Global Status Report.
No caso da China, Pascual ressaltou que o forte investimento do país em renováveis tampouco responde apenas por uma preocupação ambiental, mas de reduzir sua dependência externa de energia, também focando a busca de liderança mundial futura.
“Então ainda que tenhamos percalços no caminho do net zero, as duas maiores economias mundiais, consumidores e produtores de energia, continuarão dessa trilha da transição”, disse. Em linhas gerais, a sinalização de Pascual é de que é preciso ter plano B e plano C para lidar com a instabilidade que o mercado de energia ainda sofrerá adiante. “É preciso saber adaptar a realidade, e construir políticas que nos permitam ser flexíveis”, afirmou.
No evento, o ex-ministro de Minas e Energia almirante Bento Albuquerque reforçou esse coro.
“Não há fonte nem rota tecnológica única. O mais importante é que o Brasil estabeleça políticas públicas e mecanismos de mercado que valorizem investimentos em infraestrutura energética que possam ser adaptados a cadeias de baixo carbono”, exemplificou, citando refinarias que se transformam em complexos de energia - como já é o caso da indústria do etanol - e terminais de GNL que podem ser usados no transporte de hidrogênio no futuro. “Precisamos buscar estratégias de baixo risco de arrependimento e trancamento tecnológico”, resumiu.
Albuquerque também defendeu o fortalecimento da indústria de óleo e gás brasileira “como motor de desenvolvimento, inovação e promoção de vantagens competitivas no contexto da transição energética”. Ele ressaltou que o petróleo brasileiro tem uma pegada de carbono abaixo da média mundial e poderá ter o papel de diversificar a oferta de países não Opep - lembrando a projeção de crescimento da produção brasileira dos atuais 3 milhões de barris/dia para 5,4 milhões no final desta década.
Ex-ministro de Minas e Energia almirante Bento Albuquerque. (Foto: Agência Brasil)
Também afirmou que é preciso continuar buscando consenso sobre o papel do gás natural para a segurança e a transição energética brasileira. Sobre o tema, o deputado Laércio Oliveira (PP), eleito senador por Alagoas, relator do novo Marco do Gás, defendeu o aumento da produção de gás natural brasileira, indicando que até o final do ano pretende apresentar uma proposta de projeto de lei sobre o tema.
“É importante entender a reinjeção de gás natural nos poços de petróleo de forma técnica, transparente e livre de preconceitos, buscando identificar volumes que poderiam deixar de ser reinjetados para ser escoados. Hoje, além da produção boliviana ser decrescente, o que deixa a entrega de volumes contratados pouco segura, a volatilidade de preços do GNL importado é alta, expondo demais o consumidor interno, quando poderíamos buscar nossa independência de abastecimento nessa fonte”, disse.
Para o ex-ministro, a base para garantir que o Brasil explore da melhor forma seu potencial diante do atual contexto energético também passa pelo estabelecimento - “com brevidade” - de uma política de transição energética “que garanta a consistência geral das diversas políticas de energia, garantindo a atratividade dos investimentos e o funcionamento dos mercados”.
Petróleo e gás: volatilidade permanece
Em sua participação no Seminário, Pascual ainda ressaltou que as perspectivas para o mercado de petróleo e gás adiante são pouco previsíveis, dado que o principal motivador dessa volatilidade - a guerra na Ucrânia - ainda está longe de se resolver, afirmou. “Até agora, nem Rússia, nem Ucrânia acenam com a possibilidade de fazer concessões para se chegar a uma solução diplomática para o conflito. E, com isso, a Rússia aumenta a pressão sobre a Europa - e o mundo todo - usando o gás como uma arma de guerra”, afirmou. O alto preço do gás na região - que chegou a US$ 90 por btu e hoje gira em torno dos US$ 35, enquanto nos Estados Unidos está na casa dos US$ 6 -, tira competitividade da indústria da região, impactando a indústria, empregos e, pontuou, até a viabilidade de governos.
“A intenção da Rússia é criar tamanha pressão na Europa a ponto de a região romper o apoio à Ucrânia - o que também afetará a unidade com os Estados Unidos -, pressionando por algum tipo de acordo para o cessar-fogo”, disse.
No caso do petróleo, as incertezas futuras residem especialmente em três fatores, indicou Pascual: se haverá alguma interrupção dos fluxos de poleo russo - “até agora, o efeito da guerra para as exportações russas de óleo foi de aumento, não redução de embarques”, salientou -; quais serão os efeitos da recessão global no mercado e como evoluirá a demanda da China, condicionada pela atividade econômica e a Covid-19; e as reações do Oriente Médio a essa conjuntura. Alguns eventos importantes que ocorrerão nas próximas semanas ajudarão a perscrutar esse caminho, afirmou.
O primeiro, em 5 de dezembro, é a entrada em vigor das sanções da União Europeia ao petróleo cru russo - seguida, dois meses depois, dos produtos refinados - e se terá peso suficiente para conter as exportações de petróleo da Rússia e impactar o fornecimento global. Até setembro, reforçou, as exportações de petróleo da Rússia aumentaram em média em cerca de 900 mil barris diários em relação a 2021.
Exportações russas de petróleo: mudança de destinos
(em milhões de barris/dia)
Fonte: OIES.
O segundo tema crítico é o que acontecerá com o limite ao preço do petróleo (russo) imposto pelo G7 para reduzir a receita que iria para a Rússia e financiaria a guerra, mantendo o fluxo de petróleo para o mercado global. “A expectativa é que nos próximos dias teremos um limite de preço na faixa de US$ 60 o barril, que está acima do desconto com o qual o petróleo russo está sendo negociado hoje. Isto de certa forma facilita a questão, pois para aqueles que importam este petróleo abaixo do limite de preço, as sanções da União Europeia serão removidas e os países e empresas poderão ter acesso a este petróleo russo”, disse. A questão crítica, entretanto, é se a Rússia estará disposta a cooperar com isso.
E a terceira questão é o que vai acontecer com a OPEP. O grupo informou que vai reduzir suas metas de produção em 2 milhões de barris diários. Muito provavelmente, sua produção real não vai atingir essa redução, mas não sabemos de quanto será.
A tendência, afirmou Pascual, é de que a combinação do petróleo russo continuando no mercado, com um limite de preço reduzido, e recessão nos EUA e Europa levará pelo caminho dos preços menores do barril. Mas ele não descarta que um cenário de cortes significativos na produção da Opep, perda de exportações da Rússia e recuperação da demanda chinesa eleve o preço do barril à casa dos US$ 130. “Todos os cenários permanecem viáveis”, concluiu.
Petróleo: futuro incerto
Projeções de longo prazo de demanda por petróleo
2019-2050, milhão de barris por dia
Fonte: Elaboração IBP com dados BP, IEA, OPEP e Shell.