Patricia Palomo, Insper: ‘Apenas 10% das empresas familiares sobrevivem até a quarta geração’
Entre as razões para isso estão questões relacionadas à governança corporativa — ou à falta dela — nas empresas.
Patricia Palomo, economista, head de Investimentos e Operações da Unicred do Brasil, conselheira de Administração da Planejar e presidente do Conselho Alumni do Insper. (Foto: Divulgação)
As empresas familiares são responsáveis por grande parte da produção global. Embora as famílias empresárias sejam maioria, nem todas conseguem chegar à segunda geração e apenas 10% delas sobrevivem até a quarta geração. Entre as razões para isso estão questões relacionadas à governança corporativa — ou à falta dela — nas empresas.
É comum que as empresas familiares se tornem uma espécie de “cabide de empregos”, abarcando vários componentes de diversas gerações da família. Embora muitos deles possam ser capacitados para o trabalho, a presença constante de membros familiares nos quadros da empresa pode criar alguns conflitos de interesse. Se um dos objetivos estratégicos da empresa é ter uma equipe profissional, especializada e competente para alcançar as metas traçadas, o nível de exigência de capacitação precisa ser equivalente entre os profissionais contratados no mercado e os profissionais advindos da família, o que nem sempre ocorre. Para isso, é recomendável que dentro da estrutura de governança corporativa da empresa familiar exista um Comitê de Pessoas, que desenhe o plano de capacitação de toda a equipe, inclusive dos membros da família.
A situação descrita acima transparece outra questão bastante comum, que é a presença da informalidade e a falta de regras claras no funcionamento da empresa familiar. Muitas empresas apresentam pouco interesse em estabelecer processos e procedimentos que sigam regras pré-determinadas. A falta de disciplina em seguir padrões e processos, principalmente em relação a questões de progressão de cargos e carreira, pode trazer consequências não desejadas, como condutas improdutivas para a empresa e dificuldade de retenção de talentos, que é uma das preocupações mais relevantes das famílias empresárias.
Outra questão importante derivada da falta de processos claros e transparentes nas empresas familiares é a presença do conflito entre partes relacionadas. Esse conflito surge quando, por exemplo, pessoas e empresas ligadas à família prestam algum tipo de serviço para a empresa familiar. É comum encontrar situações nas quais os fornecimentos de determinados itens para a produção são providos por empresas lideradas por pessoas que possuem algum vínculo com a família, o que implica que certos processos podem não ser seguidos, como, por exemplo, buscar vários orçamentos para o fornecimento do mesmo item de forma a minimizar os custos e gerar mais eficiência. É possível mitigar parte desses conflitos por meio de processos bem estabelecidos que tirem a pessoalidade das relações comerciais entre partes relacionadas.
A pessoalidade nas empresas familiares também pode ocorrer no campo financeiro. Não raro, as finanças familiares se confundem com as finanças corporativas. É difícil estabelecer um limite de abrangência, até mesmo para empresas de grande porte. A separação entre as finanças familiares e as finanças da empresa é condição necessária para o desenvolvimento saudável da companhia e, quanto menos profissionalizada é a empresa familiar, mais espaço existe para essa sobreposição financeira prejudicial.
Para que esses limites fiquem bem estabelecidos e sejam cumpridos, dois tipos de Conselhos podem ser úteis em empresas familiares.
O Conselho Consultivo é um órgão colegiado instituído para o assessoramento da Diretoria Executiva, abrangendo assuntos de caráter estratégico para a execução principalmente do objeto social e da missão institucional da empresa. Para que a atuação do Conselho Consultivo seja produtiva e sua opinião seja isenta, é interessante que um ou mais membros sejam classificados como independentes, isto é, que não tenham relação prévia, seja familiar, seja comercial, com os sócios controladores.
Outra instância de governança corporativa que pode mitigar os potenciais conflitos de interesse nas empresas familiares é a constituição do Conselho de Família. Esse Conselho é composto pelos membros da família com o intuito de proteger seus interesses. O seu estatuto deve procurar fomentar práticas e iniciativas que promovam o apoio entre os membros, buscando definir os planos de desenvolvimento do negócio com clareza da missão, visão e valores do grupo familiar, além de oferecer orientação sobre a preparação e a participação dos membros da família. Esse tipo de Conselho pode auxiliar na mediação de conflitos, definição de regras básicas e orientação das relações familiares. Segundo um levantamento da consultoria KPMG, 44% das empresas familiares acreditam que a próxima geração não está preparada para a sucessão das atividades da companhia, de forma que um dos principais objetivos do Conselho de Família pode ser o de atuar diretamente no desenvolvimento das novas gerações para, assim, garantir a perenidade da empresa e a continuidade de seu legado.