Janaína Feijó: A participação das mulheres negras no mercado de trabalho

Situação das mulheres negras no mercado de trabalho permanece preocupante. Elas tendem a ter menor participação e taxas de desemprego e informalidade são mais altas entre mulheres negras do que nos demais grupos demográficos.

A participação das mulheres negras no mercado de trabalhoJanaína Feijó é pesquisadora da área de Economia Aplicada do FGV IBRE (Foto: FGV /Ibre - Divulgação)

No dia 25 de julho comemorou-se o dia da mulher negra, latina e caribenha. Não há dúvidas que todas as conquistas alcançadas ao longo de pelo menos meio século de luta devem ser comemoradas. Contudo, a luta por igualdade de oportunidades e representatividade continua. As condições socioeconômicas das mulheres negras brasileiras ainda são piores do que as dos demais grupos, colocando-as em uma situação de maior vulnerabilidade.

Nesse texto analiso a situação das mulheres negras no mercado de trabalho brasileiro na última década a partir dos microdados da PNADC/IBGE. Entender a dinâmica desse grupo demográfico é muito importante em um país como o Brasil, que possui uma parcela significativa da população brasileira se autodeclarando negra (preta ou parda). A participação das mulheres negras na População em Idade Ativa (PIA) passou de 26% em 2012.T1 para 28,3% em 2022.T1, se tornando o grupo com maior representatividade.

As mulheres negras têm enfrentado grandes desafios para se inserirem no mercado de trabalho. Esses desafios estão intrinsecamente ligados a questões histórico-culturais, normas sociais e background socioeconômico. Esses entraves se materializam na baixa taxa de participação desse grupo demográfico no mercado de trabalho, como pode ser visto na Figura 1. No blog A Mulher Negra no Mercado de Trabalho eu argumento que a situação das mulheres negras se torna crítica porque aglutina as desvantagens associadas às desigualdades de gênero e de raça. 

Figura 1 – Evolução da Taxa de Participação por grupos de gênero e raça
  
Elaboração da autora com base nos microdados da PNADC/IBGE.
Nota: A taxa de participação é obtida pela razão entre a população economicamente ativa e a população em idade para trabalhar.

As mulheres negras também apresentam a menor taxa de participação em comparação aos demais grupos demográficos. Entre os anos 2016 e 2019 essa taxa situava-se em torno de 52%, mas no 2º tri de 2020 caiu para 45,6%, atingindo seu menor nível desde 2012. Nos trimestres subsequentes a taxa começou a retornar lentamente para o nível pré-pandemia, mas ainda está 1 p.p. abaixo do 1ºtri de 2019. Atualmente, das 48,8 milhões de mulheres negras em idade para trabalhar, apenas um pouco mais da metade (51,5%) está no mercado de trabalho, seja buscando emprego ou ocupada.

Embora a taxa de participação seja um importante indicador para acompanhar a inserção e a permanência da mulher negra no mercado de trabalho, outros indicadores o complementam, ajudando a construir um retrato mais completo. As que conseguem vencer as barreiras para fazer parte da força de trabalho, ainda se deparam com outros desafios, como, por exemplo, conseguir um emprego. 

Independente do período analisado, a taxa de desemprego entre as mulheres negras tem sido bem maior do que as reportadas pelos outros grupos e desde o início de 2018 essas diferenças estavam se ampliando. 22,1% das mulheres negras na força de trabalho estavam desempregadas no 1º tri de 2021 - o dobro da registrada entre os homens brancos/amarelos (10,0%) e muito distante da reportada pelas mulheres brancas/amarelas e homens negros (13,8%).  

No 1º tri de 2022 a taxa de desemprego entre as mulheres negras apresentou uma forte queda em relação ao 1º tri de 2021, mas permaneceu na casa dos dois dígitos (16,3%) e distante dos demais grupos demográficos. Os 16,3% representam mais de 4,1 milhões de mulheres negras desempregadas. 

Figura 2 – Evolução da taxa de desemprego por grupos de gênero e raça
  
Elaboração da autora com base nos microdados da PNADC/IBGE.

Como pode ser visto na Figura 2, todos os grupos apresentaram uma tendência de taxa de desemprego relativamente semelhante na última década. Entre os anos 2012 e 2014 as taxas permaneceram relativamente estáveis. Entre os anos 2014 e 2017 cresceram expressivamente sob o impacto da recessão econômica pela qual o país passou. Já no período 2018-2019 tinham se reduzido lentamente até a pandemia interromper essa trajetória.

Em relação a população ocupada, a quantidade de mulheres negras ocupadas caiu 11,5% entre o primeiro trimestre de 2020 e 2021, maior queda entre os quatro grupos [Homens Brancos e Amarelos (-1,3%), Homens negros (-6,6) e Mulheres Brancas/Amarelas (-7,0%)]. Esse aumento contribuiu para que a taxa de desemprego atingisse 22,1% no 1º tri de 2021. Já no 1º trimestre de 2022 todos os grupos voltaram a atingir os níveis do 1º tri de 2020, comas mulheres negras apresentando o menor crescimento no período (1,6%).

A taxa de informalidade entre as mulheres negras ocupadas também tem sido elevada. No 1º tri de 2022 43,3% das mulheres negras ocupadas estavam em postos de trabalho informais, taxa superior à média nacional (40,1%), dos homens brancos/amarelos (34,8%) das mulheres brancas e amarelas (32,7%). Por outro lado, ficou abaixo da taxa entre homens negros (46,6%). 

A Figura 3 mostra o rendimento médio dos grupos em três pontos do tempo, permitindo analisar sua evolução na última década e no contexto da pandemia. Os quatro grupos demográficos tiveram crescimento real dos rendimentos entre 2012 e 2020. Contudo em 2022, com a recuperação do emprego e abertura de postos de trabalhos mais intensivos em mão de obra e de baixo valor agregado, os rendimentos médios caíram. 

Embora se observe que as diferenças entre os grupos têm diminuído ao longo do tempo, as mulheres negras continuam apresentando os menores rendimentos médios. Em 2022, ganhavam menos da metade do que os homens brancos ganhavam e equivalente a 60% do rendimento médio das mulheres brancas/amarelas. No blog A mulher negra no mercado de trabalho estimo os gaps salariais entre esses quatro grupos e os fatores que ajudam a compreender a magnitude desses gaps.

Figura 3 – Rendimento médio por grupos de gênero e raça
 
Elaboração da autora com base nos microdados da PNADC/IBGE. Deflacionados a preços do 1º trimestre de 2022. Rendimento habitual de todos os trabalhos.

Ainda sobre os rendimentos do trabalho, a participação das mulheres negras entre os 10% com os maiores salários ainda é baixa, mesmo após um crescimento de 2 p.p entre os anos de 2012 (7,1%) e 2022 (9,2%). A Figura 4 mostra a evolução da representação das mulheres negras no grupo de pessoas com mais altos salários. Em 2022, no grupo de pessoas que tinham rendimentos de todas as fontes superior a R$ 5.012, apenas 9,2% eram mulheres, embora elas representem 22,1% da população total de trabalhadores.

Figura 4 – Evolução da representatividade das mulheres negras entre os 10% com maiores rendimentos do trabalho (1º tri de cada ano)
 
Elaboração da autora com base nos microdados da PNADC/IBGE.

Os dados apresentados nesse texto mostram que a situação das mulheres negras no mercado de trabalho ainda permanece preocupante quando comparada com os demais grupos demográficos. Elas tendem a participar menos do mercado de trabalho, com uma taxa inferior à das mulheres brancas, que já considerada baixa. Além disso, a taxa de desemprego e de informalidade também são mais altas entre as mulheres negras do que para os demais grupos.