Demissões em unicórnios fazem startups ‘early stage’ refletirem Cultura Organizacional

Desafio é ainda maior com a entrada de investidores institucionais e compromisso com escalabilidade; por outro lado, pedidos de demissão em empresas brasileiras aumentaram 37% entre março de 2021 e 2022, segundo o CAGED.

Especialista discute se as empresas que passam por suas primeiras rodadas de investimento hoje estão refletindo sobre o atual momento.  (Foto: Pixabay)


Desde abril, o ecossistema brasileiro de startups vive um choque de realidade. Milhares de profissionais foram demitidos por algumas das maiores empregadoras do país. Quinto Andar, Loft, Facily e Creditas puxaram a fila do que parece ser somente o início de um processo gerado a partir de um cenário macroeconômico conturbado. Processo que se agravou com bilhões de reais injetados por fundos de venture capital que ainda não se refletiram em modelos de negócios sólidos e lucrativos.

De uma perspectiva maior, o que os mercados financeiro e de tecnologia podem aprender para que, quando uma nova janela de oportunidade se abrir, não se criem novamente milhares de desempregados do dia para a noite? O que as empresas que passam por suas primeiras rodadas de investimento hoje estão refletindo sobre tudo isso?  

Consenso entre consultorias, RHs e executivos de startups, é que a construção de uma cultura organizacional forte desde a formação das primeiras equipes tem reflexos importantíssimos quando a fase de captação e escalabilidade chega. 

“Significa que essas startups estão bem geridas e estruturadas, mesmo que não tenham alcançado ainda a rentabilidade financeira de última linha. Quando uma empresa tem um plano de crescimento estruturado ela se torna mais atrativa aos olhos dos investidores, sobretudo em lugares do mundo em que tenhamos um mercado mais conservador, como é o caso do Brasil”, contextualiza Felipe Novaes, sócio e cofundador da The Bakery, empresa global de inovação corporativa. 

Exemplos

O Zro Bank, banco digital multimoedas, é uma das startups brasileiras que, a despeito do momento, segue contratando profissionais. Atualmente com 70 pessoas na equipe, a fintech recebeu seu primeiro aporte, de R$ 25 milhões, em outubro de 2021, e está com 20 vagas abertas para diversas áreas, a maior parte na área de tecnologia.

Taynah Carvalho, head de Pessoas e Cultura do Zro Bank, revela que a empresa pretende dobrar o número de colaboradores até o final do ano. “O que estamos construindo aqui é uma cultura de liberdade, confiança e crescimento. Para essa autonomia funcionar, mantemos uma gestão econômica muito próxima do RH. Não queremos criar armadilhas, como acelerar nossos profissionais para ocuparem posições que eles não dão conta, ou trazer pessoas por salários que não justificam as posições que elas ocuparão. Nossos planos de carreira são realistas”, conta a executiva.

Fabiana Pauli, head de Pessoas da logtech Freto, também acredita que as áreas de RH têm de estar cada vez mais próximas do negócio. “O crescimento da receita tem que estar alinhado com os OKRs das empresas. E aqui, as pessoas estão no centro de tudo. Para quem está ganhando tração agora, acredito que planejamento e organização são diferenciais olhados por investidores, mas serão cada vez mais essenciais na atração de talentos”, considera a executiva da startup que emprega 170 pessoas.

Pressão por escalabilidade

Se existe do lado do investidor a necessidade de que a empresa cresça, por outro lado, o fato de startups irem a mercado buscar um maior volume de dinheiro mais rapidamente também resulta em compromisso. “Ninguém vai captar dinheiro com VCs querendo crescer devagar. Quando startups vão para rodadas de captação, elas estão apostando em um crescimento acelerado.     Elas não estão se dispondo a crescer devagar. É uma aposta de ambos os lados. E, em geral, é o empreendedor que se prepara para conseguir esse dinheiro, porque ele quer crescer mais rápido do que está. A indústria de venture capital é um tipo de indústria que assume um risco mais alto e quer um retorno mais alto também - e esse retorno mais alto acaba sendo associado ao tempo”, contextualiza Felipe, da The Bakery.

Empregados “contra-atacam”

Dados do CAGED apontam que as demissões voluntárias em empresas brasileiras alcançaram 600 mil trabalhadores apenas no mês de março deste ano, o que representa um aumento de 37% em comparação ao mesmo mês de 2021. Ao mesmo tempo, dados da consultoria Gallup revelam que 63% das pessoas deixam as empresas por motivos não-financeiros, entre eles: excesso de inovação e falta de identificação com a cultura organizacional.

“Por excesso de inovação, podemos fazer um paralelo com os últimos anos da indústria de startups. É claro que os investimentos em tecnologia melhoram a vida das pessoas, mas chegamos a um ponto em que empresas e investidores institucionais não estavam se questionando qual era o custo disso para seus funcionários, pois nem todos os projetos seguem adiante. Se quisermos crescer com as melhores pessoas, evitando uma nova onda de demissões, é preciso haver um alinhamento de expectativas e planejamento em relação a novos projetos e investimentos”, destaca Fabiana Pauli, do Freto.

Outro lado destacado por Taynah Carvalho, do Zro Bank, é a incompatibilidade de cargos e salários que inflacionou o setor de tecnologia. “Existem casos de profissionais que perceberam, de uma dura maneira, que os padrões de vida que assumiram não seriam mais sustentáveis após a recolocação em um mercado que está muito mais criterioso nesse aspecto. É um impacto social muito forte e, portanto, obrigação do mercado manter os pés no chão”, comenta.