Alexandre Manoel: O desmantelamento do PLP 18/2022 no Senado e contrapontos às renúncias temporárias
PLP 18/22 aprovado na Câmara era positivo em vários aspectos, como reduzir dívida pública em 0,3pp do PIB e rebaixar teto em R$ 28 bi. Mas redução temporária do PIS/Cofins sobre gasolina e etanol desmantelou PLP.
Sócio e Economista-Chefe da MZK Investimentos (adquirida pela AZ Quest). (Foto Divulgação)
O Projeto de Lei Complementar (PLP) 18/22 como aprovado na Câmara considera, para fins de tributação, que os combustíveis, a energia elétrica, as comunicações e o transporte coletivo são itens essenciais e indispensáveis, não podendo ser tratados como supérfluos. Desde sua proposta, ele parecia excepcional sob vários aspectos, tanto do ponto de vista fiscal e monetário quanto na ótica de uma necessária política pública no período de incerteza pelo qual passamos.
Na ótica fiscal, havia três benefícios explícitos.
Primeiro, ao considerarmos as elasticidades da dívida bruta divulgadas na nota para a imprensa sobre as estatísticas fiscais do Banco Central em 31/5/2022, conclui-se que, para a diminuição de 1 ponto porcentual (p.p.) nos índices de preços, há uma diminuição de 0,18 p.p. do PIB. Uma vez que o PLP 18/22 como aprovado na Câmara traria uma diminuição de 1,7 p.p. no IPCA deste ano, teríamos uma dívida bruta diminuída em aproximadamente 0,30 p.p. do PIB ou uma economia de cerca de 30 bilhões para os cofres públicos.
Segundo, ao considerarmos a mesma taxa de crescimento com que o ICMS cresceu no primeiro quadrimestre, haveria uma arrecadação adicional do ICMS de aproximadamente R$ 75 bilhões neste ano, o que ser reverteria em maior cota-parte para os municípios, também. Historicamente, esse valor maior nos caixas dos entes subnacionais implica aumento da disponibilidade para aumentos salariais e elevação da despesa com pessoal como proporção da receita corrente líquida, que se constitui no maior problema fiscal dos entes subnacionais.
As estimativas fiscais sobre o impacto do PLP 18/2022 até agora divulgadas variam muito e não são triviais, pois deveriam considerar efeito de preço e quantidade e ainda mais o comportamento dos consumidores diante de variações nos preços de bens inelásticos. Se considerarmos a estimativa da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), divulgada no relatório do senador Fernando Bezerra, as perdas anuais dos estados e municípios são na ordem de R$ 61,7 bilhões, bem menores, portanto, que a arrecadação adicional de R$ 75 bilhões que haveria de ICMS.
Nesse sentido, ao antecipar de 2024 para julho de 2022 a implantação da decisão do Supremo Tribunal Federal de que o ICMS maior (que o incidente em bens essenciais) sobre serviços de telecomunicações e energia elétrica é inconstitucional, o PLP 18/2022 daria mais um sinal positivo ao ajuste fiscal por toda a Federação, pois diminuiria a receita disponível dos subnacionais e ajudaria especialmente aos governadores eleitos a não concederem aumento salarial no próximo ano.
Terceiro, o menor IPCA estimado rebaixaria o limite superior (teto) das despesas primárias do governo federal em 2023 em aproximadamente R$ 28,5 bilhões, contribuindo também para o necessário esforço fiscal da federação.
Em suma, do ponto de vista fiscal, teríamos dívida menor (R$ 30 bilhões), despesa primária menor no próximo ano (R$ 28,5 bilhões) e incentivo para ampliar a responsabilidade fiscal nos entes subnacionais por meio de menor despesa com pessoal. Além disso, do ponto de vista monetário, teríamos um IPCA menor em cerca de 1,7 p.p. em 2022, sem qualquer contribuição para a desancoragem da meta de inflação em 2023.
Ademais, na ótica de uma necessária política pública neste período de incerteza, é compreensível adicionar os combustíveis no rol de bens essenciais. Quem irá duvidar que os combustíveis representam um bem essencial, especialmente se considerarmos o efeito indireto deles nos transportes públicos (ônibus, transporte por meio de aplicativo etc.)?
Deve-se ressaltar ainda que a uniformização das alíquotas dos combustíveis irá diminuir a sonegação, evitando os famosos “passeios de nota” entre os estados, e contribuir para um sistema tributário menos caótico. Vale mencionar ainda que, com a diminuição permanente nas alíquotas do ICMS, haveria um incremento na expectativa de maior renda, no longo prazo: teríamos maior renda disponível de maneira permanente.
Contudo, a inserção da redução temporária do PIS/Cofins sobre gasolina e etanol desmantelou ou manchou a excelente imagem do PLP 18/2022, em ao menos três aspectos.
Primeiro, ampliou a desancoragem ou a distância do IPCA de 2023 para a meta prevista naquele ano. De fato, por conta dessa medida, as expectativas de IPCA diminuem este ano em até um ponto percentual e podem aumentar na mesma magnitude em 2023.
Segundo, aumentou o risco fiscal. Estamos entrando em um período eleitoral, sem qualquer perspectiva de melhora no cenário energético mundial, com tendência de preços dos combustíveis continuarem pressionados; nesse cenário, quem garante que, após a eleição, em dezembro de 2022, essa renúncia temporária de PIS/Cofins realmente será eliminada?
Terceiro, embora passível de discordâncias quanto à forma efetiva de se conceder tal renúncia, o fato é que a inserção dessa emenda da renúncia do PIS/Cofins e Cide no PLP 18/2022 deu uma espécie de waiver na nossa institucionalidade fiscal, afastando o cumprimento de qualquer regramento fiscal, inclusive a Lei de Responsabilidade Fiscal, para que tal renúncia seja efetivada.
A única justificativa para a renúncia temporária do PIS/Cofins, assim como para a diminuição temporária do ICMS sobre diesel, é que parte relevante do mundo inteiro está fazendo algo parecido, a exemplo da zeragem do imposto estadual sobre combustíveis realizada em alguns estados americanos; seria uma justificativa do tipo: “Eles estão fazendo, por que não podemos fazer também, afinal de contas, saímos de um guerra (contra o vírus) e estamos passando por outra que desestrutura as cadeias produtivas (especialmente a de energia)?”
Enfim, ao excluir esse tipo de justificativa, não se depreende racionalidade para essas medidas de renúncias temporárias, que não contribuem para a ancoragem monetária e aumentam o risco fiscal. Isso sem contar com a discussão sobre a efetividade da alocação orçamentária de se renunciar R$ 50 bilhões (cerca de R$ 20 bilhões da renúncia de PIS/Cofins e R$ 30 bilhões da zeragem do ICMS sobre diesel), que atinge a todos, em contraposição, por exemplo, à alocação que atinja apenas os mais pobres (como a transferência de vouchers para aqueles no Cadastro Único).