Cidades saudáveis e sustentáveis: Como o planejamento urbano aprimora a vida das pessoas

Especialistas discutem alternativas e orientações técnicas que auxiliam os governantes no desenvolvimento sustentável das cidades.

São Paulo_unsplashCidades sustentáveis ajudam a combater crises ambientais ou econômicas. (Foto: Unsplash)

Em um cenário global marcado por inseguranças políticas e climáticas, a sustentabilidade das cidades é essencial para combater e gerenciar crises, sejam ambientais ou econômicas. A partir disso, o conceito de cidades sustentáveis começou a ganhar força como um conjunto de práticas e características urbanas buscando aprimorar a vida da população.

Com o intuito de padronizar as práticas sustentáveis, entidades nacionais e internacionais definem algumas normas técnicas que orientam as cidades para os métodos adequados. No Brasil, a Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT cumpre esse papel. No nível global, essa responsabilidade cabe à International Organization for Standardization, conhecida como ISO.

Normas técnicas

Segundo Alex Abiko, professor da Escola Politécnica (Poli) da USP e coordenador da Comissão de Estudo Especial de Desenvolvimento Sustentável em Comunidades (ABNT/CEE-268), excluindo raríssimas exceções, as normas técnicas não são de uso obrigatório, mas voluntário. Apesar disso, ele ressalta a importância da elaboração e aplicação desses métodos para que sirvam de orientação àqueles que trabalham em assuntos que exigem uma determinada norma técnica.

De acordo com o especialista, a comissão especial da ABNT, a qual coordena, é vinculada à ISO e replica essa estrutura no Brasil, onde já foram publicadas cerca de 56 normas sobre o tema de cidades sustentáveis. Com essa padronização é possível realizar comparações entre metrópoles como São Paulo, por exemplo, e outras cidades brasileiras e estrangeiras.

“É muito importante que a gente divulgue e que mais pessoas utilizem as normas, pois são desenvolvidas com muito cuidado por um conjunto de especialistas que se debruçam sobre o tema das cidades sustentáveis, das cidades inteligentes e das cidades resilientes para que a gente consiga, inclusive, discutir os conceitos que hoje são utilizados mundialmente. Sabemos que esse movimento é um movimento global e o Brasil precisa estar conectado a isso”, relata Abiko.

Resíduos sólidos

De acordo com o Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades – Brasil, cerca de 70% dos municípios brasileiros estão classificados com um nível de desenvolvimento sustentável “baixo” ou “muito baixo”. E nenhuma cidade alcançou o nível “muito alto” proposto pela classificação. A gestão dos resíduos sólidos é um dos principais índices para avaliar as cidades, mas geralmente não recebe a devida atenção. Conforme Marcos Buckeridge, professor do Instituto de Biociências (IB) e vice-diretor do Instituto de Estudos Avançados (IEA), ambos da USP, o ideal seria que todos os resíduos sólidos produzidos fossem reciclados.]

Segundo o especialista, algumas cidades chegam perto desse número, como São Francisco, na Califórnia, que recicla 84% do material que produz. Em contrapartida, o município de São Paulo reciclou, em 2023, apenas 28% dos seus resíduos sólidos. Para Buckeridge, é difícil compreender como uma das maiores metrópoles do mundo ainda não trata corretamente seu lixo.

“Existe a necessidade de fazer investimentos, mas, a partir do momento em que são feitos, o processo gera empregos e mais empresas associadas. Enquanto isso acontece em cidades menores, nós ainda continuamos vendo os carroceiros coletando resíduos sólidos em São Paulo e no Brasil”, reflete.

ODS

Conforme Buckeridge, existem diversos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que orientam para a evolução saudável das cidades. Ele ressalta que o ODS 6, voltado para água potável e saneamento, ainda enfrenta desafios em grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, onde a qualidade do tratamento da água não é plenamente eficaz.

Em relação ao ODS 3, que trata da saúde e bem-estar, o docente alerta para os riscos à saúde pública decorrentes da ocupação irregular de áreas de mananciais e da falta de monitoramento adequado de substâncias químicas na água tratada, como hormônios, resíduos de medicamentos e drogas ilícitas. Além disso, a ausência de um saneamento adequado compromete diretamente a construção de cidades sustentáveis, como sugerido pelo ODS 11.

Os impactos ambientais da má gestão de resíduos sólidos e líquidos comprometem também os ODS 14 (Vida na Água) e 15 (Vida Terrestre). O docente destaca que a preocupação com a presença de microplásticos na água, que já afetam a fauna, a flora e até os seres humanos, além das substâncias químicas que podem contaminar rios e solos, prejudicam a biodiversidade e dificultam a recuperação ambiental. Segundo Buckeridge, enfrentar esses desafios é fundamental para garantir um desenvolvimento sustentável e equilibrado nas cidades.

São Paulo

De acordo com o especialista, existem diversas iniciativas promissoras para a gestão de resíduos sólidos em São Paulo, como os programas SP Coopera, Green Sampa, Sampa+Rural e Integra Resíduos. No entanto, ele destaca que, apesar de a cidade contar com um Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, é essencial que haja um acompanhamento contínuo dessas iniciativas para garantir sua efetividade.

“É preciso que os vereadores apoiem e impulsionem, como um todo, na direção de avançar planos como estes. A população também precisa acompanhar e cobrar do poder público. Precisamos estabelecer metas ambiciosas. São Paulo é uma das cidades mais ricas do mundo e não há o que justifique não ter um sistema sustentável de classe mundial de gestão de resíduos”, diz.

Cidades saudáveis

Além das cidades sustentáveis, as cidades saudáveis caracterizam um outro conceito destinado ao aprimoramento do desenvolvimento urbano. A ideia surge com a Primeira Conferência Global de Promoção da Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), realizada em 1986, no Canadá. Durante o evento foi apresentada a Carta de Ottawa, que ampliou o conceito de saúde ao destacar que sua produção social pode ocorrer em diversos ambientes, como escolas, habitação, mercados e hospitais, com especial atenção ao espaço urbano.

De acordo com Marco Akerman, professor da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, as cidades podem atuar como promotoras da saúde ou, em contrapartida, reduzi-la. Nesse sentido, ele destaca que a definição de uma cidade saudável não se baseia em uma métrica específica, mas sim em uma concepção que envolve iniciativas concretas para a melhoria da qualidade de vida da população. Isso acontece por meio da implementação de políticas públicas eficazes nos territórios urbanos de maneira equitativa, sem distinção de estratificações sociais.

Conforme o especialista, que também é pesquisador do Cepedoc – Cidades Saudáveis, centro de pesquisa da FSP colaborador da OMS, o principal benefício desse modelo urbano é a melhoria direta da saúde dos habitantes. No entanto, ele reforça que a saúde não está apenas relacionada ao acesso aos serviços médicos, mas também a fatores como habitação, lazer, posse da terra, mobilidade urbana e qualidade do ar. A construção de uma cidade saudável, portanto, deve envolver, além do governo, o setor privado e as organizações da sociedade civil. Essa colaboração é essencial para identificar problemas, propor soluções e avançar na construção de um ambiente urbano mais justo e saudável.

Obstáculos políticos

Apesar dos benefícios, o professor ressalta que um dos grandes desafios para a implementação desse modelo no Brasil é a alternância de poder. Muitas vezes, projetos de longo prazo são interrompidos quando uma nova gestão assume o governo municipal, descartando iniciativas anteriores sob a justificativa de que pertenciam a administrações passadas. Para ele, a solução ideal seria tratar esse tipo de planejamento como uma política de Estado, e não apenas de um governo específico.

“Todas essas nomenclaturas estão, na realidade, interessadas em planejamento integrado, intersetorialidade e problemas comuns. Então podemos dizer que todo projeto que pensa a cidade como segura, saudável, educadora, amiga da criança, entre outras, está no fundo pensando como pode ser melhorado o planejamento urbano”, esclarece.

“É importante dizer que, mesmo quando não se consegue implementar isso em uma cidade como um todo, pode-se conseguir aplicar em determinados territórios. E nesses locais, principalmente de pessoas mais vulneráveis, a saúde pode ser abordada de uma forma holística, integrada, intersetorial e interdisciplinar”, avalia.

Conforme Akerman, o conceito de cidades saudáveis é apenas uma das abordagens para melhorar a qualidade de vida urbana. Outras iniciativas globais incluem as “cidades educadoras”, promovidas pela Unesco; as “cidades sustentáveis”, apoiadas pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD); e outros conceitos de cidades seguras e cidades inteligentes propostos por agências bilaterais.