Restaurante Cura desperta o melhor de Portugal por meio de sabores marcantes
A Robb Report visitou o restaurante de luxo do Ritz hotel, a melhor novidade gastronômica de Lisboa. Aos 30 anos, o chef Pena Bastos é uma esperança confirmada da alta cozinha portuguesa, rumo à próxima estrela Michelin de Portugal
A fachada do novo restaurante do Ritz, com entrada pelarua Rodrigoda Fonseca. (Foto: Divulgação)
Em Lisboa, “toda gente” sabe que o lugar mais elegante para se marcar um drinque ao cair da tarde, um chá, um encontro de negócios, é o bar do Ritz Hotel. Estive lá algumas vezes e sempre cometo duas transgressões. A primeira é pedir ao garçom um repeteco da porção dos biscoitinhos de manteiga. Um bis, às vezes dois. Isso depois de comer a parte do pratinho de quem estiver comigo.
Uma vergonha! A outra é, sorrateiramente, guardar o guardanapo na bolsa. Se você já viu aquele quadradinho de tecido com o símbolo do hotel em letras pretas retrô, entende o que estou falando. Desde o ano passado, no entanto, há mais um grande motivo para se cruzar a porta giratória do hotel mais icônico de Lisboa, inaugurado em 1959. Isso se você não tiver a sorte de estar hospedado lá, claro. Nem seria preciso entrar no Ritz para ir ao Cura, o novo restaurante do hotel tocado com maestria pela cadeia Four Seasons. Há um acesso direto pela rua, mas, convenhamos, se você pode passar por aquele lobby cheio de orquídeas e gente aprumada, e, de quebra, ainda contemplar o museu de tesouros, como as tapeçarias esculpidas a ouro por Almada Negreiros, faça a “egípcia” para a porta da rua.
A experiência de uma noite no novo restaurante de luxo do Ritz, aberto em plena pandemia, em setembro de 2020, começa por olhar em volta. Ao sentar (peça a mesa próxima às janelas de vidro), eu não sabia se prestava atenção no cardápio ou nas espirais inspiradas em Picasso do magnífico tapete que cobre o assoalho principal. O projeto de interiores tem a assinatura de Miguel Câncio Martins, um nome que, em Portugal, simplesmente quer dizer bom gosto. A cozinha, aberta, quebra qualquer austeridade e permite que se acompanhe o frenesi dos pratos sendo elaborados.
A sobremesa do menu Meia Cura: cacau, levístico, girassol batateiroe arábica. (Foto: Divulgação)
Tudo feito por uma turma jovem, a começar pelo chef Pedro Pena Bastos (guardem esse nome). O gajo, de 30 anos, não é uma promessa, já é uma aposta, não do Four Seasons, mas de quem acompanha tudo o que envolve chegar ao olimpo estrelado do Michelin. Mas então vamos ao que interessa. Há três tipos de degustação no Cura. Origens, a mais completa, com 13 momentos; a Raízes, opção vegetariana; e o Meia Cura.
Escolhi a terceira, com sete momentos, e posso dizer que cada um deles é uma suave jornada em direção ao Nirvana. É preciso dizer que o jovem chef Pena Bastos, um português orgulhoso e ex-baterista de uma banda de rock, tem por princípio trabalhar com ingredientes fresquíssimos, escolhe a dedo produtos de pequenos fornecedores locais e outros que ele mesmo colhe, como musgo ou grão de bico. Desenha cada prato como delicadas esculturas. Introduzir o garfo na lula cortada em finíssimas lâminas, com avelã, manteiga torrada de algas, salpicada de caviar e ouro é quase um sacrilégio. Cada pequeno prato parece dizer que o próximo será incapaz de superar.
E os pães? Ah, os pães! O de leite chega a derreter no palato. Manteiga para quê? Embora não seja uma manteiga qualquer. Trata-se de uma fina pasta envelhecida da Ilha das Flores, nos Açores.
Os pães, elaborados com grãos ances- trais como barbela, são feitos na hora, e chegam ainda quentinhos à mesa. Tudo no Cura tem a pre- cisão da frescura e do rigor das grandes cozinhas. A nota da mais pura simpatia cabe ao sommelier Mário Marques. Ele surge a cada prato exibindo rótulos e explicando a origem de cada líquido que derrama nas taças. Como o pinot noir e o chardonnay, de uma colheita de 2016, de Luiz Costa, que Mario chama do “mais próxi- mo de um champanhe”, em Portugal. Para fechar, sua majestade, a sobremesa. Regendo a orquestra de sabores, Diogo Lopes, o subchefe pasteleiro do hotel. E é nesse momento que o jantar atinge a perfeição.
Figos com beterraba, limão e alfarroba e alho preto, ovos e mel, framboesa e lavanda. De volta à porta giratória, passo pelo rapaz que faz a sentinela e im- prime com seu casaco e cartola, o glamour dos anos 1950, àquele endereço da rua Rodrigo da Fonseca. Dou dois passos para trás e digo que talvez tenha uma fotografia dele, feita há três anos, no rolo de fotos do meu celular. Ele abre um sorriso. Procuro e encontro a imagem.
Era ele mesmo. Um jovem orgulhoso do seu posto, ao lado da placa com o nome do hotel em letras douradas. Ele agradece me chamando pelo sobrenome. Surpresa, pergunto como ele sabia. Ele baixa os olhos, sorri novamente, e, numa timidez treinada, revela que viu o “Neno” impresso na tag da minha bolsa. Coisas que só acontecem, quase como mági- ca, num lugar chamado Ritz.
Projeto desenvolvido como obra de arte por Miguel Câncio Martins (Foto: Divulgação)