Quando drama e beleza se põem à mesa
Séries japonesas e coreanas utilizam o requinte culinário para servir histórias autênticas.
Séries japonesas e coreanas utilizam o requinte culinário para servir histórias autênticas.
A gastronomia oriental inexiste sem sua incrível visualidade, como tão bem sabem o cinema e a televisão da região. Nos últimos anos, redes de streaming, como a Netflix, passaram a utilizá-la também dramaticamente, caso da recém-lançada Makanai: Cozinhando para a Casa Maiko. Dirigida por Hirokazu Kore-Eda (Assunto de Família, 2019) e baseada em um mangá de Aiko Koyama, a série japonesa explora a gastronomia do país enquanto expõe um assunto pouco conhecido pelos ocidentais, que é a formação das gueixas, em pleno século XXI.
Depois de completar o ensino fundamental, a protagonista Kiyo, de 16 anos, deixa a cidade natal Aomori na companhia da amiga de mesma idade, Sumire, rumo a Quioto. Ali, ela deseja se tornar uma maiko, aprendiz de gueixa, que precisa ser versada em muitos saberes, entre eles os musicais e a dança. Enquanto aprendizes, asduas percorrem maravilhadas as ruassinuosas do distrito de Gion, mas logo Kiyo é informada de que não dispõe dos talentos exigidos pela profissão.
Quando se vê prestes a regressar a Aomori, suas habilidades na cozinha são notadas e ela acaba contratada como makanai, cozinheira que trabalha na casa onde as maikos moram juntas. Doce, sonhadora e delicada demais para se tornar uma gueixa, Kiyo manipula os ingredientes e os acessórios da cozinha com amor. Quando trabalhada por ela, uma fatia de pão de forma torna-se um pudim dos deuses.
Canhota, Kiyo corta uma berinjela ao meio e a fere em sulcos para que absorva o shoyu integralmente, e isto basta para todas as mulheres da escola, até as “mães” que a dirigem, se acabarem em suspiros. Não há limites para o sucesso da menina, que sorri diante de frigideiras limpas. Seu karaage, uma espécie de frango a passarinho que, para adquirir crocância, exige uma fritura prévia, é disputado e muito mais valorizado do que um “prato de bufê”.
Nana Mori (Kiyo) e Natsuki Deguchi (Sumire) em Makanai: o ingrediente do amor.
Note-se que em séries dramáticas bem-sucedidas envolvendo a culinária japonesa, como a pioneira Midnight Diner: Stories (2016-2019), jamais aparece o sushi. O dono de um izakaya, interpretado por Kaoru Kobayashi nesta série, por exemplo, serve refeições no balcão a seus clientes durante toda a madrugada, que passam longe do peixe cru com arroz. Ali, em lugar desse prato, são oferecidos os lamens, as carnes ou os presuntos empanados que embalam as preciosas histórias de vida e de origem dos comensais.
A ideia de autenticidade também orienta o pensamento das badaladas séries dramáticas coreanas, entre elas Uma Advogada Extraordinária (2022), que narra o empenho da protagonista, Woo Young-woo (vivida por Park Eun-bin), em defender causas no tribunal. O pai da jovem advogada é dono do pequeno restaurante que lhe prepara diariamente o kimbap, alga recheada com arroz, legumes e carnes bem fininhas temperadas.
O prato interessa à protagonista não somente por sua praticidade, oferecido que é por diversos estabelecimentos de Seul em variados momentos do dia, mas por exibir ao consumidor todos os ingredientes de uma vez, sem misturá-los. Isto porque Young-woo, que é autista, somente aceitará comer o que lhe for imediatamente visível. Ao vislumbrar desde o início todos os ingredientes do prato, ela se sente segura, da mesma maneira que oferecerá aos clientes todos os seus raciocínios, por mais duros que forem, sem os esconder.
O tan-men, lamen com porco e vegetais em Midnight Diner, e o karaage, frango dos sonhos das gueixas.