De Tarsila por Tarsila: uma artista à frente do seu tempo
Sobrinha-neta de Tarsila do Amaral, Tarsilinha do Amaral é responsável pelo espólio da artista símbolo do Modernismo e quer torná-la tão conhecida no mundo quanto Frida Kahlo.
Em retrato de Bob Wolfenson, Tarsilinha do Amaral usa brinco inspirado na obra Abaporu.
Tarsila do Amaral estava bem longe do Brasil, quando jovens artistas – entre eles expoentes como os escritores Mario de Andrade e Oswald de Andrade, os pintores Di Cavalcanti e Anita Malfatti, e o maestro e compositor Heitor Villa-Lobos – ocuparam o Theatro Municipal de São Paulo para romper com os antigos padrões da cultura, até então muito pautada pela Europa, na Semana de Arte de 1922.
Mas logo ela voltou de Paris, onde morava, juntou-se ao grupo e virou a principal referência do movimento. Vanguardista e ousada, Tarsila era amiga de Pablo Picasso, gostava de oferecer feijoada e caipirinha aos amigos intelectuais na França e casou-se três vezes. A vida pessoal da artista será foco de uma nova biografia, escrita pela jornalista Francesca Angiolillo, e de filme com produção internacional. Tarsila também acaba de virar animação infantil.
À frente de todos esses projetos está a sobrinha-neta, que foi batizada com o mesmo nome da tia famosa. Tarsilinha é responsável pelo espólio da artista e deseja que ela seja tão conhecida no mundo como é Frida Kahlo.
Como imagina que seria Tarsila do Amaral nos dias de hoje? Era uma mulher à frente do seu tempo, comideias novas. Ela foi para Paris e enlouqueceu com quem conviveu lá – era amiga de Pablo Picasso, teve aulas com Fernand Léger e era próxima do escultor Constantin Brâncusi. Tarsila olhava para frente sem se esquecer de seu país, ela valorizava o Brasil. Difícil imaginar como seria hoje uma pessoa que viveu há mais de cem anos, mas se eu fizer uma projeção, ela seria assim também.
O autorretrato da artista, Manteau Rouge (1923)
A que atribui a relevância que ela ganhou nos últimos anos, tornando-se a pintora mais famosa do Brasil?
Ela não participou da Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, porque morava em Paris. Mas se envolveu com o movimento por meio de troca de cartas com Anita Malfatti, de quem era muito amiga e, de volta ao Brasil, se juntou ao Clube dos Cinco: os escritores Mario de Andrade e Oswald de Andrade, os pintores Anita Malfatti e Di Cavalcanti, e o maestro e compositor Heitor Villa-Lobos. A relevância dela no movimento modernista contribuiu para que ela se tornasse a artista mais pop do Brasil. Ela consegue ser popular e, ao mesmo tempo, se manter naquele topo em que sempre esteve na arte acadêmica. Isso é um grande desafio para mim, quero que ela seja mais popular, mas nunca vou querer tirá-la desse olimpo.
Como está o projeto do filme sobre a vida de Tarsila? Quem está produzindo é o inglês Simon Egan, produtor-executivo do filme O Discurso do Rei (2010), ganhador de quatro prêmios Oscars. Mas achamos que seria importante que o roteirista fosse brasileiro, alguém que compreendesse o Brasil lá atrás e agora para explicar melhor para o público, especialmente o internacional Quem está escrevendo o roteiro é a Daniela Thomas.
Já sabe quem vai interpretar a artista no cinema? Minha ideia é levar a minha tia para o mundo, como o filme da Frida Kahlo fez com ela. A atuação da Salma Hayek como Frida foi impecável, esse filme sempre foi uma referência para mim. Se a gente conseguir uma atriz do porte da Salma, vai ser lindo. Mas ainda estamos na fase do roteiro.
Tarsila morreu antes de ser devidamente reconhecida. Você acredita que ela sabia de seu potencial?
Com certeza. Meu pai me contou que quando ele fez 24 anos, ela deu um quadro de presente a ele e disse: ‘Guarde esse quadro porque um dia ele vai valer muito mais dinheiro, provavelmente depois que eu morrer’. Ela tinha noção de sua importância e de que seria valorizada. O quadro é Paisagem com Ponte e Mamoeiro, que ela fez em 1954, quando ela voltou para a fase Pau-Brasil, chamada Neo Pau-Brasil. A obra tem todos os elementos dessa fase: casinhas coloridas, a montanha, o lago e o mamoeiro. Infelizmente meu pai o vendeu.
Você chegou a conviver com Tarsila? Eu tinha 8 anos quando ela morreu, mas meu pai e minha madrinha, irmã dele, eram pessoas muito próximas da minha tia-avó e conversámos muito sobre ela.
Que histórias curiosas te contavam sobre ela?
Tarsila adorava oferecer janta-res aos amigos, como Picasso, o fotógrafo Pierre Verger, o músico Erik Satie e alguns escritores. Ela gostava de servir feijoada, caipirinha e cigarro de palha, tinha orgulho de mostrar essa brasilidade aos amigos da vanguarda artística em Paris. Outra coisa curiosa é que ela tocava piano muito bem. Aonde ia, levava um piano. Ela poderia ter sido concertista, mas, pela timidez, enveredou para a pintura. Também era generosa, costumava doar obras e dinheiro, especialmente para a instituição do médium Chico Xavier, de quem ficou amiga. Ele ofereceu muito conforto a ela após a perda de sua única filha e da neta.
No alto, uma das obras mais emblemáticas, Antropofagia (1929); abaixo, O Lago (1928). Ao lado, Tarsila pintou o retrato de Oswald de Andrade no início do namoro (1922).
Além do talento, o estilo da artista também atraía olhares...
Sei de cenas em Paris, dos anos 1920, em que todos paravam para ver Tarsila quando chegava em jantares, exposições e apresentações de teatro. Não só por ser ela, mas pelas roupas que usava. Minha tia se vestia com Paul Poiret (um dos principais estilistas franceses do século 20), uma paixão incentivada por Oswald de Andrade, na época seu namorado, que a eternizou no poema Atelier (1925) como “a caipirinha vestida por Poiret”.