Eficiência e redução de custos: estratégias dos empresários para criar uma infraestrutura capaz de atender demanda da alimentação

Uma das principais tendências do setor de food service, as Dark Kitchens são impulsionadas pelo crescimento acelerado do delivery de comida.

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"Dark kitchens” também são conhecidas como “cloud” ou “ghost kitchens”. (Foto: Reprodução)

Com uma taxa média de crescimento anual de 9,5% prevista até 2024, o mercado de delivery de refeições desponta como a grande oportunidade de negócio do momento em todo mundo. De acordo com a pesquisa Crest, realizada pela GS&NPD, em parceria com o Instituto Food- Service Brasil, os pedidos realizados apenas no País movimentaram mais de R$ 20 bilhões no ano passado. Destacam-se, segundo o levanta- mento, os pedidos digitais, que cresceram 71%, indo de 387 milhões para 662 milhões, em ape- nas um ano. Com o isolamento social causado pela Covid-19 e um exército de profissionais nas grandes cidades atuando em home office, 2020 deve representar um marco para o setor

Neste ambiente de prosperidade e, ao mesmo tempo, de busca por eficiência e redução de custos, as “dark kitchens”, também conhecidas como “cloud” ou “ghost kitchens” estão entre as principais estratégias dos empresários para criar uma infraestrutura capaz de atender tamanha demanda. Caracterizados como restaurantes que não são abertos diretamen- te ao público final e que, às vezes, integram mais de uma operação em um mesmo local, estes estabelecimentos oferecem unicamente a opção de delivery. Walter Rodrigues, head de dark Kitchens da Rappi Brasil, explica que o conceito, criado nos Estados Unidos, abraça o compartilhamento de uma área comum como peça-chave para o sucesso desta modalidade.

Estudo realizado pela consultoria ECD Food Service em parceria com a Associação Brasileira de Franchising (ABF) confirma o potencial da proposta, colocando as cozinhas compartilhadas como a terceira maior oportunidade de crescimento na área de food service na opinião de 44% dos empresários do setor, ficando atrás apenas de aberturas de lojas com menor metragem e em quiosques.

Negócios

O início da operação da startup brasileira Mimic demonstra as expectativas dos investidores. Criada pelo empresário equatoriano com experiência no mercado imobiliário, Andres Andrade, a empresa anunciou ter recebido um aporte pré-operacional de US$ 9 milhões em uma rodada realizada em maio. Com o inves- timento, o plano de negócio visa cobrir toda a cidade de São Paulo até o final do ano por meio da abertura de oito espaços, dos quais um já está em funcionamento, no bairro de Pinheiros, e outros quatro estão em construção nos bairros do Itaim Bibi, Vila Olímpia, Perdizes e Vila Mariana.

A ideia inicial era oferecer um espaço para restaurantes montarem suas operações de de- livery, mas acabou se ampliando, indo desde a definição do processo de produção, treinamento da equipe até a gestão dos parceiros de entrega, como Rappi e Uber Eats.

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(Foto: Divulgação)
“É como se fosse um shopping de delivery de comida. Há uma área comum, com infraestrutura para os entregadores, cuja operação é terceirizada, mas sob nossa gestão. Cada cozinha opera em seu próprio espaço”.
Walter Rodrigues, head de dark Kitchens da Rappi Brasil

Os aplicativos de entrega, por sua vez, também querem ser muito mais que isso. A plataforma Rappi, por exemplo, tem seus próprios espaços compartilhados. Atualmente, são 10 hubs, com mais de 100 cozinhas, entre São Paulo, Curitiba, Fortaleza, Recife e Belo Horizonte. “É como se fosse um sho- pping de delivery de comida. Há uma área comum, com infraestrutura para os entrega- dores, cuja operação é terceirizada, mas sob nossa gestão. Cada cozinha opera em seu próprio espaço”, explica o head da Rappi Brasil Brasil, Walter Rodrigues.

Apesar de não abrir o custo de locação dos espaços nem o formato de remuneração, Rodrigues garante que não há cobranças de valores complementares, comuns em shoppings, como custos de condomínio e de fundo de promoção. “Os restaurantes são nossos loca- tários, mas temos uma relação muito maior, que é a relação com a marca, que visa a sus- tentabilidade dos negócios. Por isso, levamos cada operação onde faz sentido, amparados por estudos de mercado, com análises financeiras, de concorrência, de demanda, tíquete médio, entre outras variáveis”, elenca. Entre as vanta- gens do modelo para os restaurantes, estão os custos menores, tanto na implantação, quanto na operação. Ter mais flexibilidade quanto à escolha do ponto e ao tamanho dos espaços também otimizam o investimento e a despesa de aluguel.

Rodrigues também aposta na consolidação da tendência, tendo em vista as mudanças comportamentais. “Em grandes cidades, como Nova Iorque e Londres, pesquisas atestam que moradores mais jovens enxergam o ato de co- zinhar cada vez mais como um hobby. Eles optam por receber comida em casa, em média, três vezes mais que seus pais. Além disso, e de acordo com estudo elaborado pela consultoria especializada em food service, Galunion, já existem mais de 9 mil pontos exclusivos de de- livery, crescimento anual de 7,4% (entre 2014 e 2018), o que representa o maior subnicho de alimentação direta ao consumidor”, afirma.

Comida boa

A startup de alimentação saudável Liv Up é um exemplo de cloud kitchen exclusiva. Com mais de 250 mil refeições e alimentos saudáveis produzidos, comercializados e entregues por mês, em mais de 40 cidades brasileiras, ela lançou em março o Salad Stories – um serviço de delivery de saladas operado por cloud kitchens, ou seja, sem salão, dedicados exclusivamente ao sistema de entregas. Até o final do ano, dez restaurantes deverão estar em operação para atender a região metropolitana de São Paulo. A expectativa é chegar a R$ 50 milhões de faturamento até o final de 2021.

“Enxergamos grande oportunidade no delivery. Com nossos restaurantes cloud kitchen conseguimos oferecer saladas como refeições, que é uma demanda recorrente de nossos clientes e também possibilita atendermos novas ocasiões de consumo, como almoço no escritório. Nosso objetivo é alcançar R$50 milhões em faturamento até o final de 2021”, afirma Victor Santos, presidente da Liv Up.

Outra estratégia

Com mais de 5,5 mil estabelecimentos unica- mente virtuais cadastrados em sua plataforma, o Uber Eats não possui cozinhas compartilhadas, mas firma parcerias com empreendimentos do tipo – atualmente, o aplicativo conta com o apoio de cozinhas compartilhadas nas cidades de São Paulo e Belo Horizonte. “A administração das cozinhas compartilhadas, bem como a aquisição e locação dos espaços, é de responsabilidade das empresas. Os donos de restaurantes, por sua vez, locam a cozinha e respondem pela produção da comida e admi- nistração dos pedidos junto ao aplicativo. O Uber Eats fornece a estrutura de tecnologia necessária para a logística das entregas e fun- ciona como um marketplace dos restaurantes, com ações de divulgação, promoções e contato com os usuários finais”, explica Atalija Lima, gerente de comunicação do Uber Eats no Brasil.

Segundo ela, as cozinhas virtuais têm se tornado cada vez mais atraentes para empre- sários do setor, pois oferece a oportunidade de potencializar os ganhos do restaurante ao priorizar os usuários que usam o aplicativo. “Temos incentivado que mais empreendedo- res invistam nesse tipo de operação, inclusive procurando proativamente alguns deles para apresentar propostas baseadas nos dados que coletamos com os milhares de pedidos realiza- dos todos os dias”.

Atalija destaca, ainda, o fato de o modelo permitir que os empresários foquem na pro- dução de refeições sem se preocuparem com tarefas fora do core business, como a operação do salão, controle dos horários dos entregadores ou o acompanhamento das rotas. “Com isso eles podem se dedicar exclusivamente à sua ex- pertise, que é a comida, e usar a tecnologia do Uber Eats para atingir novos públicos de forma descomplicada e fazer os ajustes necessários usu- fruindo da inteligência de dados da plataforma”.

Para ela, a tendência está apenas no começo. “Além do momento atual que estamos enfren- tando, com a popularização dos aplicativos, temos observado uma mudança no perfil das pessoas que pedem comida por delivery, im- pactando um mercado que antes era dominado pelo fast food. Agora, é possível encontrar uma grande variedade de cozinhas à disposição dos usuários”, acrescenta.

Impacto Local

A 99Food traz a experiência da 99 aliada ao background e eficiência da DiDi Chuxing, a maior com- panhia de mobilidade urbana do mundo. A empresa iniciou sua operação em dezembro de 2019, em Belo Horizonte, e está disponível para pedidos em Divinópolis e Varginha, em Minas Gerais, e em Curitiba, no Paraná. Com o período de isolamento social, provo- cado pelo coronavírus, os restaurantes tiveram que adequar a operação para oferecer o cardápio on-line, funcionando exclusivamente para delivery ou retirada, como no modelo das cloud kitchens. Essa adaptação fez com que muitos estabelecimentos tivessem sua primeira experiência em plataformas. Somente em Belo Horizonte, 40% dos estabelecimentos cadastrados na 99Food nunca haviam usado um app de entrega antes.