Mais que cotas: o que falta para mulheres ocuparem espaço nos conselhos
Apesar dos avanços e iniciativas como selos e políticas de inclusão, a ascensão feminina aos conselhos ainda esbarra em vieses, redes restritas e ausência de estratégias de visibilidade e patrocínio.
Fernanda Nascimento, CEO da Stratlab. (Foto: Divulgação)
Tem sido bastante frequente a discussão sobre mulheres em cargos de liderança e em posições dos conselhos administrativos. O tema se insere em um contexto mais amplo de diversidade de vozes, considerando que diferentes pontos de vista contribuem para decisões estratégicas de maior amplitude criativa – também um benefício para os próprios negócios.
Quando pensamos na presença feminina nos conselhos, devemos levar em conta estudos que mostram as vantagens das mulheres em relação a alguns aspectos de gestão e estratégia. Nosso estilo de liderança, por exemplo, costuma ter um caráter mais empático e colaborativo, de acordo com pesquisa recente da MIT Sloan Management Review Brasil/CNEX/Sqreem.
O mesmo paper indica que somos inovadoras, possuímos conexão comunitária e incorporamos práticas de sustentabilidade. Não é pouco diante do que o mercado espera nos dias de hoje. Também aponto como diferencial a resiliência com a quantidade de tarefas assumidas de um lado e o geralmente insuficiente reconhecimento dos serviços prestados de outro.
Esse desequilíbrio, claro, envolve os ambientes de trabalho. Apesar da árdua batalha cotidiana por mais visibilidade e espaço, ainda estamos longe da igualdade nas posições de liderança: ocupamos 37% dessas cadeiras em todo o mundo, segundo pesquisa do Fórum Econômico Mundial divulgada no ano passado.
Nos conselhos, a situação é ainda mais desfavorável. Um estudo divulgado em dezembro último pela Bloomberg Intelligence mostrou que as mulheres representavam 26% dos membros dos conselhos em 2023, um avanço na comparação com 2010, quando somávamos 9% nesses lugares. Mas ainda há um longo caminho a percorrer.
O mais inusitado é que as próprias empresas deveriam ser as primeiras a querer encurtar esse percurso – ou reduzir o tempo da disparidade, que, por sinal, projeta-se longo: pelo Global Gender Gap Report 2023 do Fórum Econômico Mundial, no ritmo atual, a paridade global de gênero levará 132 anos. Serão décadas de prejuízo para as corporações se elas não mudarem esse curso. Afinal, o estudo da Bloomberg apontou que as companhias mais diversas em termos de gênero entregam melhores retornos aos acionistas. O que, então, dificulta a nossa ascensão nesses meios?
Obviamente a questão da cultura estabelecida conta muito nesse sentido. A Korn Ferry investigou em 2024 as razões pelas quais as mulheres não estão mais presentes nos conselhos. Entre 270 entrevistadas, 52% elegeram os vieses como maior obstáculo para existirem mais conselheiras. São as tendências a distorções de julgamento, de forma consciente ou inconsciente, por parte de conselheiros mais sêniores e presidentes de conselhos a respeito das mulheres de maneira geral, resultado de crenças machistas. Somada a isso, há a falta de ações afirmativas para mudar o cenário.
Contudo, há, sim, iniciativas. Uma das mais conhecidas é a do selo Woman On Board (WOB), certificação global criada em 2019 e concedida a empresas que possuem ao menos duas mulheres em seus conselhos de administração, e em cargos efetivos e não de suplência. O projeto é apoiado pela ONU Mulheres. Em 2023, as chanceladas brasileiras chegaram a cem companhias.
Da parte de nós, mulheres, precisamos ser estratégicas para conquistar nosso espaço nesse território ainda tão dominado pelas lideranças masculinas. Networking, por exemplo, é fundamental. Ele envolve esforços como participação ativa nas redes sociais, direcionando essa presença para a construção de uma reputação e o desenvolvimento de uma marca pessoal que seja referência em determinado segmento de negócios e até além dele.
Inovação e criatividade tornam-se, então, aliadas para apontar direções e tendências, configurando uma liderança de pensamento que certamente despertará o interesse de empresas em busca de componentes para seus boards.
Uma líder desse nível não surge por acaso. É alguém que está em constante atualização de conhecimento, seja através de cursos ou de fontes diversas do cotidiano – leituras, eventos, viagens, contatos com outras culturas. Contar com a ajuda de mentores e patrocinadores, os sponsors, também abre portas para novas possibilidades. Integrar comitês costuma ser outra via de acesso a uma cadeira no conselho.
Não é questão de alinhar os planetas – mas é algo próximo disso, considerando tantas variáveis em uma equação tão complexa. Etapas já foram vencidas, mas há muito trabalho a ser feito. Vamos juntas?