Empreender x bets: o impacto econômico e social que vai respingar desde os pequenos a grandes estabelecimentos

Como presidente de uma Associação que congrega empreendedores, sinto o dever de falar abertamente sobre os riscos das bets.

Tom Moreira Leite, presidente da ABF – Associação Brasileira de Franchising e do Grupo TrigoTom Moreira Leite, presidente da ABF – Associação Brasileira de Franchising e do Grupo Trigo. (Foto: Divulgação)

Cresci numa família empreendedora. Meu bisavô era português, imigrante e abriu um pequeno comércio em Niterói; meu avô tinha uma fábrica e uma rede de lojas de material esportivo – inclusive com a marca de bola Superball, usada na Copa de 1950 com o Rei Pelé – e meu pai foi o responsável pela abertura do mercado chinês a centenas de empresas brasileiras. Não vou subir ainda mais a árvore genealógica, porque o ponto principal aqui é: ainda que eu não tivesse tido tantos exemplos para me inspirar no caminho do empreendedorismo, nunca foi uma opção trilhar alguma jornada sem esforço, sem empenho e, mais do que isso, sem que vidas fossem transformadas pelo trabalho e educação.

Resolvi falar sobre o assunto porque, hoje, com a visão de um economista e o pulso de um empreendedor à frente de um grupo com seis redes, investimentos diretos em outros negócios produtivos e como presidente de uma Associação, me preocupa muito ver o crescimento desenfreado das apostas e jogos on-line; uma verdadeira febre que tem potencial de gerar muitos danos para a economia, para a sociedade e para as famílias. Regras mais rígidas estão previstas para entrar em vigor em 2025, mas é preciso agir agora.

Números do Instituto Locomotiva mostraram que, de janeiro a julho deste ano, 25 milhões de pessoas passaram a fazer essas apostas e oito em cada dez são das classes C, D e E, totalizando mais de 50 milhões de pessoas envolvidas com as assim chamadas bets. Por idade, quatro em cada dez apostadores têm entre 18 anos e 29 anos e 41% estão na faixa entre 30 e 49 anos; justamente faixas de pessoas que, em tese, ou estudam ou são chefes de família.

Já existem dados também sobre o endividamento desse aparente entretenimento. Ainda segundo o Instituto Locomotiva, 86% dos jogadores que apostam em plataformas eletrônicas acabam se endividando. É chocante saber que aproximadamente 25% dos apostadores relatam ter gastado mais de 50% de sua renda disponível em apostas, afetando a sua capacidade de cobrir despesas essenciais! Trata-se de uma armadilha financeira prestes a explodir e que vai respingar em toda a sociedade, de pequenos a grandes estabelecimentos, chegando à ponta final de impactar a saúde mental das pessoas.

Como presidente de uma Associação que congrega empreendedores – mais precisamente cerca de 193 mil operações de franquias, que empregam mais de 1,6 milhão de pessoas –, sinto o dever de falar abertamente sobre os riscos das bets, que vão desde a dependência psicológica, ansiedade, estresse até as temidas perdas financeiras com um profundo impacto na vida social e familiar, que, pode, ainda, desencadear soluções desesperadas, aumentando o problema.

Várias fontes, como a National Council on Problem Gambling (NCPG), a Organização Mundial da Saúde (OMS), além de universidades e institutos de pesquisa, relatam que aproximadamente 20% dos apostadores perdem dinheiro com frequência, e uma parcela significativa pode perder até 90% de seu rendimento anual em apostas!

Entre os apostadores problemáticos, cerca de 30% enfrentam dificuldades financeiras severas, incluindo acumulação de dívidas significativas. Quando observamos os efeitos na saúde mental, pesquisas sugerem que indivíduos com transtorno do jogo têm um risco de suicídio que é, aproximadamente, 15 vezes maior que o da população geral. Pergunto-me: em que ponto dessa jornada alguma vida (a própria ou a do semelhante) é tocada positivamente?

Sabem, isso é o que mais me encanta no franchising: a capacidade de tocarmos positiva e mutuamente diversas vidas durante essa jornada. Isso é um verdadeiro ingrediente que adrenalina nenhuma de bets pode se equiparar.

Se pensamos que cada unidade de franquia emprega 9 pessoas, que o segundo maior sonho do brasileiro é empreender, que ter um negócio é criar condições para que pessoas cresçam junto e deixem um legado para a sociedade, não tem como escolher um caminho que, embora pareça mais curto e ainda que você esteja na estatística da minoria com algum lucro inicial, desemboque na transferência da riqueza de setores produtivos para a indústria de apostas. É como optar por semear o joio, ao invés do trigo, comprometendo o pão na mesa do café.

E isso tudo mediante uma injusta taxação a menor em relação à tributação de consumo de produtos. Por isso, é urgente que toda a sociedade olhe para esse desequilíbrio, adotando iniciativas que protejam principalmente a população mais vulnerável de instrumentos de persuasão como as próprias campanhas publicitárias das apostas on-line e a romantização do dinheiro fácil. É preciso que todos se sensibilizem sobre o potencial dos problemas sociais que virão dessa expansão desenfreada.

O Brasil já é o segundo ou o terceiro maior mercado de apostas on-line do mundo, algo estimado em mais de R$ 100 bilhões, e é urgente que se debata o uso do cartão de crédito para pagamento de apostas. Essa modalidade de pagamento tem uma representatividade enorme no consumo das famílias e, sem a limitação e a orientação aos apostadores, é certo que o crédito vai encarecer e as famílias poderão ficar superendividadas.

Na ABF, investimos muito em capacitação e acreditamos que esse é um caminho inexorável para qualquer situação: o conhecimento é a ferramenta mais poderosa para tomar decisões. E vamos falar sobre isso incansavelmente, pregando sempre o franchising íntegro, a qualificação, a relação ganha-ganha, o olho no olho e a transferência de know-how. É este jogo que queremos jogar todos os dias e cada vez com mais players.