Protocolo de Nagoia: o que é e por que é importante para o Brasil
Acordo multilateral estabelece regras internacionais para a repartição de benefícios do uso econômico de recursos genéticos da biodiversidade.
Documento estabelece regras para de benefícios de recursos genéticos da biodiversidade. (Foto: Diego Campos/CNI)
No último dia 4 de março, o Brasil depositou na Organização das Nações Unidas (ONU) a carta de ratificação do Protocolo de Nagoia sobre Acesso e Repartição de Benefícios da Convenção de Diversidade Biológica (CDB). A expectativa da ratificação pelo Brasil era elevada, principalmente porque o país foi protagonista das negociações do acordo.
Em junho, contados 90 dias do depósito, o acordo estará vigente e o país garantirá o direito a voto na próxima reunião da CDB relacionada ao protocolo.
Mas, afinal, como funciona e qual é a importância do Protocolo de Nagoia?
O documento estabelece regras internacionais para a utilização e a repartição de benefícios do uso econômico de recursos genéticos da biodiversidade. Contando com o Brasil, 130 países já o ratificaram.
Trata-se de um acordo multilateral complementar à CDB e foi aprovado em outubro de 2010, durante a Conferência das Partes (COP) da Biodiversidade realizada em Nagoia, no Japão.
Um exemplo prático: um produtor brasileiro acessa uma espécie originária da China para a produção de um novo medicamento. Nesse caso, ele deverá respeitar as exigências da legislação chinesa e o Brasil deve assegurar o cumprimento da legislação ou regulamentos nacionais do outro país.
O intuito é ter um sistema de cooperação global que assegure que esses recursos foram obtidos de forma legítima e que o país obteve os benefícios previstos em sua legislação.
Para a indústria, a adesão ao protocolo representa uma oportunidade para o país.
“O mundo espera um protagonismo maior do Brasil na agenda de biodiversidade, e a ratificação é importante para o país com a maior multiplicidade biológica do mundo, além de garantir melhores perspectivas de negócios às empresas brasileiras usuárias da biodiversidade estrangeira”, afirma o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade
A divisão, entre os países, dos benefícios resultantes de pesquisas com a biodiversidade e a utilização do conhecimento tradicional de comunidades indígenas e locais pode ser monetária ou não.
Nagoia reforça a necessidade de proteger o conhecimento tradicional associado aos recursos biológicos, que já é bastante enfatizado na CDB. As comunidades indígenas e locais dependem dos recursos e são consideradas guardiões da biodiversidade. Assim, os conhecimentos tradicionais também são passíveis de repartição e é necessário incluí-los nas regras e procedimentos das partes.
Assim, o Protocolo de Nagoia abrange pontos como pagamento de royalties, financiamentos de pesquisa, compartilhamento de resultados, transferência de tecnologias e capacitação e acesso de um país a recursos genéticos de outro, como plantas e animais, mediante negociações prévias.
Um dos motivadores para a elaboração do tratado foi a necessidade de combate à biopirataria. Os países que são alvo dessa prática são justamente os países mais ricos em biodiversidade, como o Brasil.
Com o acordo, há estímulo para que países criem leis próprias de biodiversidade e ofereçam mais segurança jurídica e transparência para provedores e usuários dos recursos genéticos, o que pode inibir essa prática ilegal.
Essa prática prejudica a economia dos países porque não há repartição de benefícios de produtos biotecnológicos comercializados com o país detentor do recurso e nem com comunidades tradicionais. Sem contar os danos ao meio ambiente, com a ameaça de redução da população das espécies ao explorá-las de forma predatória
Breve histórico da repartição equilibrada de recursos genéticos da biodiversidade
Quando a CDB foi estabelecida, na Eco-92, seus objetivo já previam a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos da biodiversidade.
A convenção mudou o paradigma que considerava os recursos biológicos como bens comuns da humanidade. A partir do acordo, passou-se a reconhecer a soberania dos países sobre a biodiversidade. Com isso, as nações passaram a regular o acesso e a utilização dos seus recursos.
No entanto, na prática, as normas nacionais eram insuficientes para concretizar a repartição de benefícios, uma vez que as regras só têm efeito dentro dos limites territoriais nacionais, apesar da circulação de recursos genéticos circulavam entre os países. Para solucionar a questão, criou-se o grupo de trabalho dedicado especificamente a esse assunto na COP 5, realizada em 2000, em Nairobi, no Quênia.
Na COP 6, em 2002, em Haia, na Holanda, foram estabelecidas as Diretrizes de Bonn, para auxiliar os governos na adoção de medidas para reger o acesso e a repartição justa e equitativa de benefícios pelo uso sustentável de recursos genéticos.
Consideradas ainda insuficientes para resolver a questão, as medidas foram precursoras do Protocolo de Nagoia, criado em 2010 na COP 10, no Japão.
A CNI sempre considerou fundamental a participação do Brasil no tratado para que o país possa participar de decisões sobre temas importantes, como regras para repartição de benefícios relacionadas às informações de sequências digitais de recursos genéticos (DSI, na sigla em inglês). Esse tema, por exemplo, estará na pauta dos debates da próxima Conferência das Partes da CDB (COP15), prevista para 2021, em Kunming, na China.
Indústria brasileira entende que o país pode contribuir para inspirar novas regras no Protocolo de Nagoia. (Foto: José Paulo Lacerda/CNI)
A Lei da Biodiversidade e o patrimônio genético brasileiro
Desde 2015, a Lei da Biodiversidade (Lei 13.123) disciplina o acesso e a divisão dos benefícios pelo do patrimônio genético brasileiro. A CNI participou da construção do marco legal, considerado uma das mais modernas leis de biodiversidade do mundo.
Com essa experiência, a indústria brasileira entende que o país pode contribuir para inspirar novas regras no Protocolo de Nagoia.
Segundo a CNI, o acordo é importante para estabelecer um regime de governança internacional ao comércio exterior de produtos que utilizam a biodiversidade, assim como resguarda o direito das partes em manter os benefícios do uso de seus ativos naturais e estimula pesquisa, desenvolvimento e inovação.
Há um dever de casa a ser feito para implementar o Protocolo de Nagoia, e o estudo da CNI Análise dos Impactos Regulatórios da Ratificação do Protocolo de Nagoia para Indústria Nacional, apresenta as obrigações que o Brasil deverá cumprir após a ratificação, assim como medidas a serem adotadas pela indústria e pelo governo.
Entre elas estão, por exemplo, a criação de instrumentos de fiscalização de cumprimento da legislação nacional em entidades estrangeiras, o estabelecimento de mecanismos de controle da legislação de outros países no Brasil e a criação de mecanismos de rastreabilidade capazes de identificar a origem das espécies e os conhecimentos tradicionais a elas associados.