Aprovado pelo Senado, PL prevê venda de terras para estrangeiros e divide opiniões no agro

Atualmente, segundo o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), órgão responsável pelo controle da aquisição e arrendamento de imóveis rurais por estrangeiros no Brasil, cerca de 3,98 milhões de hectares de terras agrícolas nacionais estão em posse de entes estrangeiros.

Rafaela Parra Aiex_AraúzSócia e head da área Ambiental do escritório Araúz & Advogados Associados, Rafaela Parra Aiex. (Foto: Divulgação)

O Senado Federal aprovou o projeto de lei que regulamenta a aquisição de terras por estrangeiros, pessoas físicas e jurídicas constituídas e estabelecidas fora do território nacional – uma das questões legais mais discutidas, nos últimos anos, inerentes ao desenvolvimento da agropecuária e da agroindústria, não só no Brasil como também nos EUA, onde quase todos os Estados têm leis que regulam compras de terras por estrangeiros, sendo algumas mais restritivas do que outras.  O PL 2.963/2019 teve parecer favorável, com emendas, e segue agora para votação na Câmara dos Deputados.

Atualmente, segundo o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), órgão responsável pelo controle da aquisição e arrendamento de imóveis rurais por estrangeiros no Brasil, cerca de 3,98 milhões de hectares de terras agrícolas nacionais estão em posse de entes estrangeiros.

Enquanto investidores estrangeiros entendem a possível mudança legislativa como oportunidade de aplicação no mercado brasileiro, parte dos produtores e especialistas veem riscos para a economia local como, inflação no preço de terras e necessidade de preservação das riquezas naturais e produtos agrícolas à população brasileira. Embora a discussão no Legislativo esteja avançada, ainda não parece haver um consenso até mesmo no agronegócio e pode atrasar para chegar a uma conclusão, dizem especialistas.

“Na falta de um regime jurídico próprio ao sistema agroindustrial, leis são editadas visando suprir as lacunas que existem entre o Direito e a nova prática no campo e em suas atividades de pré e pós produção. O PL discute alterações no regime jurídico para aquisição de terras por estrangeiros. Basicamente traz um apelo ao cumprimento do art. 186 da Constituição Federal (CF) e permite que estrangeiros detenham posse e propriedade de até 25% do território de cada município no país”, diz a sócia e head da área Ambiental do escritório Araúz & Advogados Associados, Rafaela Parra Aiex.

O PL ainda cria um Conselho de Defesa Nacional para a aprovação da aquisição de terras em casos específicos, como por fundos soberanos ou imóveis que estejam em bioma amazônico ou em bioma cuja reserva legal seja de 80%. O controle da aquisição de terras por estrangeiros hoje responde à Lei 5.709/1971,  e a Lei 8.629/1993. Esse conselho ainda teria de conceder autorização prévia para aquisições de terras, por estrangeiros, em áreas consideradas indispensáveis à segurança nacional, como fronteiras.

Para José Mário Neves David, advogado do escritório Amaral Lewandowski e especialista em Direito Tributário e Agronegócio, “a importância PL  2.963 reside no fato de que, com sua aprovação e conversão em lei, será aberto o mercado imobiliário de terras no Brasil para investidores estrangeiros sem presença no País, possibilitando o ingresso de divisas e capital produtivo”.  Para o especialista, o PL visa atrair investimentos imobiliários ao campo. Seriam investimentos de longo prazo, que têm por característica a natureza produtiva. “Entendemos que a proposta pode representar importante fonte de recursos diretos e divisas ao País, sem que haja risco à soberania, ao solo, aos biomas e riquezas naturais e às áreas de segurança nacional. Eventuais proprietários estrangeiros de terras no País estarão sempre sujeitos à legislação e às normas constitucionais do Brasil”.

Controvérsia

De acordo com a advogada Rafaela Parra, a principal controvérsia sobre o projeto refere-se à ameaça da soberania estatal e perda de controle de riquezas. Por conseguinte, perda de competitividade no mercado internacional do agronegócio com a chegada de estrangeiros em nosso território.

“Pode haver uma supervalorização dos imóveis rurais, aliada a alta demanda por terras e uma vantagem de capital estrangeiro nessas transações, o que empurraria a produção agrícola brasileira a um êxodo, justamente em um nicho da economia muito importante ao país. Não fosse isso, com o aumento de aquisição de terras por estrangeiros, conflitos de interesse econômicos e de mercado internacional podem haver, contribuindo para a ocorrência de problemas na formação de preços de commodities, por exemplo, como nos conhecidos casos de dumping”, explica a advogada especialista em Direito Ambiental e Direito do Agronegócio.

Para David, as controvérsias jurídicas dizem respeito à  revogação da Lei 5.709/1971, que hoje regula a aquisição de propriedades rurais por estrangeiros, basicamente restringindo as aquisições àqueles que residem no Brasil ou às pessoas jurídicas autorizadas a operar no País, e à alteração do entendimento vigente desde 2010, que estabelece limitação das hipóteses de aquisições de terras por estrangeiros por força de Parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), mediante imposição de limites de dimensões de áreas e exigência de autorização prévia do INCRA para implementação de projetos agrícolas nas terras adquiridas.

josedavidJosé Mário Neves David, advogado do escritório Amaral Lewandowski e especialista em Direito Tributário e Agronegócio. (Foto: Divulgação)

Expectativa do mercado

De acordo com a sócia de Araúz Advogados, “o PL há de ser observado em uma visão holística. Se por um lado empresas de capital estrangeiro alocadas no país poderiam injetar investimentos e fomentar o agronegócio brasileiro, por outro, existem arestas políticas, econômicas e jurídicas a se sopesar. Ainda é cedo para avaliar se as expectativas seriam atendidas. Há muita discussão e resistência, e não há unanimidade nem mesmo no setor do agronegócio”.

Já o advogado do Amaral Lewandowski Advogados reforça que o PL divide opiniões. “Para investidores estrangeiros, a aprovação do texto e sua conversão em lei representa uma nova oportunidade de aplicação de capital em ativos brasileiros de alto valor estratégico e possibilidade de valorização com o aumento da demanda mundial por alimentos e commodities. Por outro lado, parcela dos produtores rurais brasileiros entende que a abertura do mercado imobiliário rural para estrangeiros pode gerar inflação no preço de terras no País, bem como pode representar um risco à produção no Brasil, na medida em que os estrangeiros, com o câmbio desvalorizado, teriam maior poder de barganha na aquisição das terras e maior capacidade de investimento na produção local, aumentando substancialmente a competição em mercados em que hoje os produtores brasileiros são referência mundial, tais como os da soja, do algodão e do milho”.

Para o advogado, conforme descritas no PL 2.963/2019, “as condições propostas para aquisição, posse e cadastro de imóveis rurais por estrangeiros atendem a importantes requisitos e conferem a possibilidade de realização de bons negócios no mercado imobiliário rural brasileiro, seja para o investidor estrangeiro, seja para os empresários rurais brasileiros.   

Função social da terra

Rafaela Parra lembra que o art. 186 da CF e seus 4 incisos são de cumprimento obrigatório. “Portanto, o cumprimento da função social perpassa as questões de titularidade da propriedade e agarra-se ao imóvel, conforme art. 5º, XXIII. Os estrangeiros imitidos na posse e propriedade de imóveis rurais no Brasil se sujeitarão ao que determina a Constituição, não sendo faculdade cumprir ou não a função social. Portanto, regras ambientais, trabalhistas e de sustentabilidade serão aferidas, fiscalizadas e sancionadas (quando for o caso), conforme o poder de polícia conferido ao Estado brasileiro”, explica.

José Mário David complementa que “a Constituição Federal é soberana e o cumprimento da função social da propriedade, uma necessidade. Quaisquer proprietários ou posseiros de terras no Brasil, sejam eles brasileiros ou estrangeiros, estarão igualmente sujeitos a todos os ditames constitucionais, dentre os quais o do cumprimento da função social da propriedade”.

Próximos passos no Legislativo

Após a aprovação do Senado Federal, o PL segue para a Câmara dos Deputados. “Os projetos de lei ordinária são aprovados com maioria de votos (maioria simples), desde que esteja presente no Plenário a maioria absoluta dos deputados (257). Os projetos de lei aprovados nas duas Casas (Congresso Nacional) são enviados ao presidente da República para sanção. O presidente tem 15 dias úteis para sancionar ou vetar. O veto pode ser total ou parcial. Todos os vetos têm de ser votados pelo Congresso. Para rejeitar um veto, é preciso o voto da maioria absoluta de deputados (257) e senadores (41)”, explica Rafaela Parra.

“Minha expectativa e de todo mercado agro é de que essa votação não será prioritária no momento. Muita discussão ainda será travada e neste momento, com a transição política na Presidência das casas do Congresso Nacional, e com a declarada posição de veto da Presidência da República, o avanço do PL dependerá de muito diálogo, audiências públicas e, talvez, até mesmo adequações no texto original”, explica a advogada.

José Mário David tem o entendimento de que “o PL 2.963/2019 sofrerá alterações e receberá emendas na Câmara dos Deputados, devendo enfrentar maior resistência para aprovação nesta Casa, dada a maior representatividade dos Parlamentares ruralistas contrários ao projeto. Caso aprovado nas duas Casas, o PL 2.963/2019 possivelmente será vetado parcial ou totalmente pelo Presidente da República, que já se manifestou contrariamente ao projeto, na imprensa. Eventual veto poderá ser derrubado em Sessão Conjunta do Congresso Nacional”.

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