Brasileiros estão mais altos, mas não necessariamente mais saudáveis
Estudo da Imperial College of London mostra que brasileiros estão entre os povos que mais cresceram no mundo. O líder é a China, onde a média de altura dos jovens subiu oito centímetros em 35 anos.
O brasileiro está crescendo. Um levantamento feito pela universidade britânica Imperial College London revelou que a altura média de crianças e adolescentes no Brasil aumentou quatro centímetros nos últimos 35 anos. A elevação nos índices fez o País saltar dezenas de posições no ranking global (ver aqui), mas isso não significa necessariamente que as novas gerações estejam mais saudáveis, como alertam especialistas.
De acordo com os dados levantados pela pesquisa, publicada pela The Lancet, as estaturas médias de meninas e meninos de cinco anos no Brasil são, respectivamente: 1,13m, e 1,15m. Entre os adolescentes, as médias são, aos 19 anos, de 1,62 m (mulheres) e 1,75 (homens). Em 1985, as medidas eram de quatro a cinco centímetros menores em todas as faixas etárias. A diferença para os holandeses (líderes mundiais em altura) também diminuiu de um a dois centímetros entre os jovens de 19 anos e quatro e cinco centímetros entre crianças de cinco anos. Os brasileiros formam um dos povos que mais cresceram no ranking mundial. O líder em crescimento foi a China, onde a média dos jovens subiu oito centímetros no mesmo período.
Na visão do professor da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) Haroldo Ferreira, os números refletem o fato de que, nas últimas décadas, o brasileiro tem comido mais: “A estatura, em nível populacional, é um indicador da condição nutricional de longo prazo”, afirma. Quando o organismo deixa de receber os nutrientes necessários ao seu crescimento, desenvolve mecanismos de preservação de energia como a redução da taxa metabólica. O problema é que essa programação para uma menor taxa metabólica traz, entre outras repercussões, a redução na velocidade de crescimento do indivíduo. “Por isso, a baixa estatura é um indicativo de fome crônica e desnutrição em nível populacional”, explica Ferreira.
No período inicial da apuração, o Brasil estava entre as nações onde a desnutrição se caracterizava como um grave problema de saúde pública. “Todavia, políticas públicas implementadas nas últimas décadas tiraram o país do chamado Mapa da Fome mundial, o que aconteceu em 2015. Portanto, dados recentes irão refletir essa situação. Mas aqueles que foram acometidos pela desnutrição em sua infância (hoje, adolescentes ou adultos) vão carregar para sempre as marcas desse passado”, afirma o professor, autor de um estudo sobre baixa estatura e excesso de peso em crianças na região Nordeste.
A associação entre altura e a maior alimentação é corroborada pelo presidente do Departamento de Nutrição da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), Rubens Feferbaum. Mas o pediatra e nutrólogo faz a ressalta de que o aumento da estatura não pode ser entendido apenas como uma melhora nutricional das crianças do País: “É inegável que houve melhora nutricional, com o aumento do consumo de zinco, ferro e proteínas. Mas a análise dos dados do Ministério da Saúde relacionados a peso e altura demonstra que , em todos esses anos, há um excesso de obesidade. E crianças com massa maior tendem a ser um pouco mais altas. Passamos da subnutrição para a transição nutricional, e, agora, estamos numa epidemia de obesidade, em que uma a cada quatro crianças apresenta massa corporal acima do indicado”, pondera.
Segundo os dados do estudo britânico, o Índice de Massa Corporal (IMC, que associa peso e altura) cresceu cerca de dois pontos entre crianças e adolescentes nas últimas décadas no Brasil. Em 1985, um brasileiro de cinco anos possuía um IMC de 15,1, em média. Hoje, de 17,2. Já uma brasileira de 19 anos tinha, há pouco mais de três décadas, um IMC de 21,8. Hoje, o índice médio é de 23,3. “Isso evidencia que o brasileiro está ganhando bastante peso, já que a altura está aumentando e não diminuindo”, observa Feferbaum.
Já para o professor da UFAL, o passado de subnutrição também ajudaria a explicar a maior tendência à obesidade entre as novas gerações: “Ao reduzir a taxa metabólica para garantir a sobrevivência do indivíduo, quando submetido à fome crônica nos primeiros 1 mil dias de vida, isso o torna também mais suscetível à obesidade. O organismo, além de ‘econômico’ do ponto de vista energético, também desenvolve rotas metabólicas que privilegiam o acúmulo de gordura em detrimento de sua mobilização e utilização”, explica Ferreira.
Jovens até 20 cm menores
A análise britânica contou com coleta de dados de 65 milhões de crianças de cinco a 19 anos de 193 países, no período de 1985 a 2019. As fontes desses dados vieram de mais de 2.100 estudos populacionais realizados nesses países.
Comparando os registros globais, os pesquisadores identificaram que a diferença entre um jovem de 19 anos entre o país mais alto e o mais baixo é de 20 cm. Isso indica, segundo os cientistas, que há uma lacuna nutricional responsável pela disparidade nas estaturas dessas populações. Um exemplo é que uma menina de 19 anos em Bangladesh ou na Guatemala (os países com as médias mais baixas do mundo) tem a mesma altura de outra de 11 anos na Holanda, o país com a maior estatura.
“Em alguns países, as crianças crescem de forma saudável até cinco anos, mas ficam para trás nos anos escolares. Isso mostra que há um desequilíbrio entre o investimento na melhoria da nutrição na pré-escola e nas crianças e adolescentes em idade escolar. Esta questão é especialmente importante durante a pandemia Covid-19, quando as escolas estão fechadas em todo o mundo e muitas famílias pobres não conseguem fornecer nutrição adequada para seus filhos”, alerta o professor Majid Ezzati, autor sênior do estudo.
As nações com jovens de 19 anos mais altos estão nas regiões Noroeste e Central da Europa, incluindo Holanda, Montenegro, Dinamarca e Islândia. Por outro lado, as menores estaturas foram encontradas principalmente no sul e sudeste da Ásia, América Latina e África Oriental, incluindo Timor-Leste, Papua Nova Guiné, Guatemala e Bangladesh.
As maiores elevações na altura média das crianças foram observadas em economias emergentes como China, Coréia do Sul e algumas partes do sudeste da Ásia. Por exemplo, meninos de 19 anos na China, em 2019, eram 8 cm mais altos do que em 1985, com sua classificação global mudando de 150º para 65º em 35 anos. Em contraste, a altura das crianças, especialmente meninos, em muitos países subsaarianos, estagnou ou diminuiu ao longo dessas décadas.
O estudo também avaliou o Índice de Massa Corporal (IMC) das crianças – medida que também fornece uma indicação se uma pessoa tem um peso saudável para sua altura. A análise revelou que jovens de 19 anos com o maior IMC foram encontrados nas ilhas do Pacífico, Oriente Médio, EUA e Nova Zelândia. Já os mais baixos estão em países do sul da Ásia, especialmente Índia e Bangladesh. A diferença entre o IMC mais baixo e o mais alto no estudo foi em torno de nove unidades de IMC (equivalente a cerca de 25 kg de peso).
“Nossas descobertas devem motivar políticas que aumentem a disponibilidade e reduzam o custo de alimentos nutritivos, pois isso vai ajudar as crianças a crescerem sem ganhar peso excessivo para sua altura. Essas iniciativas incluem vales-alimentação para comidas nutritivas a famílias de baixa renda e programas de alimentação escolar saudável gratuita, que estão particularmente ameaçados durante a pandemia. Essas ações permitiriam que as crianças crescessem sem engordar excessivamente, com benefícios para a vida toda para sua saúde e bem-estar”, projeta a autora principal do estudo, Andrea Rodriguez Martinez.
(Fonte: Agência Einstein)