Fundos de private equity no Brasil seguem prática internacional para mitigar riscos

Estudo analisa termos adotados em regulamentos para disciplinar a ação de gestores.

Fundos de private equity que atuam no Brasil seguem a prática internacional de adotar cláusulas em seus regulamentos para disciplinar a ação de gestores. O objetivo é evitar que esses profissionais tenham comportamentos que prejudiquem a criação de valor nas empresas da carteira sob sua responsabilidade.

A adoção dos mecanismos foi constatada em estudo feito pelo Insper em parceria com a Spectra e a Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (Abvcap).

Os pesquisadores analisaram 148 regulamentos de fundos de private equity registrados na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), entre 1996 e 2019, como fundo de investimento em participações (FIP).

Esse tipo de fundo investe em empresas com alto potencial de crescimento a fim de impulsioná-las e, mais tarde, obter ganhos ao vender sua fatia acionária.

No Brasil, esses fundos têm uma vida média de dez anos. Deste período, cinco anos, em média, correspondem à etapa de investimento (a mediana é quatro anos), quando são efetuadas todas as chamadas e integralizações de capital.

“Por serem investimentos ilíquidos e de longo prazo, em que o gestor do fundo detém muito mais informação sobre o desempenho da carteira de investimento do que o cotista, há potencial para situações de conflitos de interesse e desalinhamento de interesse”, explica a professora do Insper Andrea Minardi, uma das autoras do estudo. “Por isso, é essencial entender quais termos do regulamento são importantes observar e compreender se há proteção para evitar conflitos e desalinhamento.”

Um dos pontos analisados na pesquisa é a remuneração do gestor do fundo definida nos regulamentos.

A taxa de administração, paga anualmente pelos cotistas –os investidores–, assegura os recursos para o pagamento de despesas do fundo, entre as quais os salários da equipe à frente da gestão da carteira. Além dessa taxa, há a de performance, também conhecida como “carry”.

Segundo o estudo, a taxa de administração de regulamentos dos fundos no Brasil, cuja mediana é de 2,2% ao ano cobrada sobre o capital comprometido, está em linha com as melhores práticas sugeridas pela Institutional Limeted Partner Association (ILPA) e com o que se observa no cenário internacional.

Seu valor é mais alto no período de investimento, que compreende as fases em que gestores procuram e definem as empresas para aplicar os recursos e que estabelecem a governança e relacionamento com aquelas que foram escolhidas.

Após essa etapa de investimento, o valor da taxa de administração cai. “Essa queda faz com que o gestor se preocupe em ter bom retorno tanto para ganhar a taxa de performance, que passa a ser significativa, quanto para gerar ‘track record’ para levantar um novo fundo e garantir a perpetuidade da gestora”, afirma Minardi.

‘Carry’

O valor da taxa de performance mostrou-se menor em comparação ao que se constata em regulamentos internacionais.

A mediana do percentual de lucro que cabe aos gestores verificada pelos pesquisadores foi de 20%, semelhante aos regulamentos internacionais. Entretanto, no Brasil, a taxa de performance é calculada com base no lucro que excede o capital comprometido corrigido pelo retorno prioritário, que equivale, em média, ao IPCA somado a 8% ao ano.

Já na experiência internacional, se o fundo superar o retorno prioritário –estimado em 8% ao ano nos contratos em dólares–, a taxa de performance é apurada sobre uma base maior: o lucro que excede o capital comprometido sem correção.

Minardi ressalta, porém, que o retorno prioritário reduziu no país nos últimos anos. Até 2011, a média era de 9% a 9,5% acima do IPCA. De 2016 a 2019, ficou entre 6,5% e 7,1% acima do IPCA. “Isso mostra que a indústria tem aprendido que, se o retorno prioritário for muito elevado, caso o gestor seja elegível à taxa de performance, é provável que o lucro excedente não seja muito alto, perdendo poder como incentivo e mecanismo de alinhamento entre cotista e gestor do fundo”, diz a pesquisadora.

Também foi observado no estudo o momento de pagamento da taxa de performance. Em 94% dos fundos analisados, estipulou-se que a fatia seria repassada à equipe responsável por gerir o investimento somente após o cotista ter recebido o capital integralizado corrigido pelo retorno prioritário. Esse formato é denominado “fund as a whole”.

Em contratos internacionais, por sua vez, é comum que o pagamento seja iniciado depois de uma saída bem-sucedida (“deal by deal”) e antes de ser conhecido o retorno final do fundo, resultando no risco de pagamentos em excesso. Quando se usa a cláusula de “claw back” no acordo, o gestor é forçado a devolver o valor excedido.

Governança

Entre os modelos de governança observados nos fundos brasileiros, o mais recorrente foi o que estabelece um comitê com a participação de cotistas. O grupo pode interferir em decisões de investimento e desinvestimento, prática incomum em regulamentos internacionais.

Minardi afirma que esse modelo tem caído em desuso, tornando-se raro em contratos mais recentes. “Isso sugere o aprendizado de que o gestor precisa ter liberdade para tomar decisões e que situações de conflito de interesse podem ser julgadas pela assembleia de cotistas”, acrescenta a professora.

(Fonte: Insper Conhecimento)