Airbnb em condomínios? Confira as implicações legais da prática
Direito à propriedade e soberania da convenção condominial são alguns dos temas da discussão que promete se alongar e ter a sua constitucionalidade debatida pelo Superior Tribunal Federal (STF).
Da esquerda para a direita Rubens Pieroni Cambraia, Ruy Janoni Dourado e André Della Togna. (Foto: Divulgação)
Advogados especialistas no setor imobiliário alertam para os principais pontos do debate relacionados ao aluguel de curta duração de unidades em condomínios residenciais via plataformas como o Airbnb.
Sobre a polêmica do tema, conversamos com os profissionais André Della Togna, do RHOM – Romeiro Hermeto, Ostronoff e Malagó Advogados, e Rubens Pieroni Cambraia e Ruy Janoni Dourado, do Dourado & Cambraia Advogados responderam a algumas implicações da discussão que está no STF.
Os especialistas também apontam quais outros temas devem despertar atenção no direito imobiliário ao longo de 2022. Confira:
Como avalia os recentes posicionamentos do STJ sobre a locação de imóveis por prazo curto e mediada por serviço de aplicativo?
André Della Togna: Inicialmente, cumpre salientar que as decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, ao nosso ver, constituem os precedentes mais relevantes sobre a questão envolvendo a possibilidade, ou não, de condomínios edilícios residenciais imporem restrições à destinação de suas unidades autônomas para uso temporário e de curto prazo são aquelas proferidas pela 3ª Turma no âmbito do Recurso Especial (REsp) nº 1.884.483/PR, em novembro de 2021, e pela 4ª Turma no REsp nº 1.819.075/RS, em abril de 2021.
Foram nessas duas oportunidades que os Ministros do STJ, de fato, analisaram de forma detida o referido tema, cuja relevância econômica e social é acentuada no atual contexto de acelerado desenvolvimento da chamada “economia de compartilhamento”, caracterizada pelo máximo aproveitamento de recursos através da mutualização de bens e espaços, com ênfase no uso e não na propriedade, e baseada na interação direta entre os agentes econômicos interessados na transação, geralmente com facilitação por meio de plataformas digitais (modelo peer-to-peer).
As recentes decisões do STJ se inserem, portanto, em um contexto de rápida transformação econômico-social que ainda não foi acompanhado por uma necessária modernização da legislação relativa ao uso temporário de bens imóveis, a qual, atualmente, não constitui um instrumental capaz de lidar com a complexidade advinda dos diferentes modelos de utilização introduzidos pela novel economia compartilhada – que tem como um de seus principais players a empresa Airbnb.
Feitas essas considerações iniciais sobre o intrincado cenário no qual foram proferidas as decisões, o que torna especialmente desafiador o deslinde judicial dos litígios, parece-nos que tanto a 3ª quanto a 4ª Turmas do STJ deram solução adequada aos respectivos conflitos submetidos à sua análise, atentando às especificidades de cada caso concreto e estabelecendo bases interpretativas que devem nortear futuras decisões sobre o tema.
Rubens Pieroni Cambraia: A posição do STJ restringe inegavelmente o direito de propriedade, em benefício principalmente do sossego e segurança dos demais moradores, prejudicados por conta da alta rotatividade de pessoas externas ao convívio diário do espaço. A limitação ao direito de propriedade não deveria ser recebida com espanto, especialmente quando inserida no contexto de um condomínio; são vários os exemplos em nossa legislação e jurisprudência de limitação ao direito de propriedade, quando se confronta com outros direitos legalmente tutelados.
Quais são os principais pontos a favor e contra a possibilidade de locação de imóveis por curta duração a partir de aplicativos como o Airbnb?
Ruy Janoni Dourado: Em favor da locação de curta temporada por aplicativos reside o próprio direito de propriedade, previsto no inciso XXII do art 5º da CF. Além disso, dependendo das características da locação que se faz pelo aplicativo (espaço exclusivo, sem oferecimento de serviços adicionais como no ramo hoteleiro, etc.), não haverá dúvida sobre a qualificação de locação para temporada, já prevista e admitida na Lei 8.245/91 para períodos inferiores a 90 dias. Finalmente, tendo o condomínio, no caso concreto, condições de adotar medidas rígidas de cadastramento dos novos hóspedes na portaria, restará enfraquecida a pretensão de proibição genérica da locação de curtíssimo prazo.
Por outro lado, a contratação informal da locação, e/ou por prazo que torne difícil ou inviável o controle dos hóspedes na portaria, e/ou a utilização do imóvel de forma compartilhada, são alguns dos fatores que, no caso concreto, podem atrapalhar o direito de sossego e segurança dos demais condôminos, justificando a limitação ao direto de propriedade à luz de sua função social e da autonomia e força normativa da convenção de condomínio regularmente aprovada e registrada no Cartório de Registro de Imóveis.
André Della Togna: O principal argumento contra a possibilidade de condomínios residenciais impedirem a locação por temporada de suas unidades, seja ela intermediada por serviços como o Airbnb ou não, é o de que tal proibição constituiria uma restrição excessiva e indevida ao exercício do direito de propriedade pelo condômino que decidir dar a referida destinação à sua unidade. Como destacado pelo próprio Airbnb em suas manifestações como assistente simples nos citados precedentes do STJ, a locação por temporada seria plenamente compatível com a finalidade residencial de condomínios edilícios, na medida em que a própria Lei de Locações, em seu artigo 48, caput, define como locação por temporada aquela “destinada à residência temporária do locatário”. Dessa forma, o impedimento à tal prática seria possível apenas se, no caso concreto, for possível demonstrar a existência de efeito adverso à salubridade, segurança e sossego dos demais condôminos.
Já a possibilidade de condomínios com finalidade residencial estabelecerem o tipo de restrição aqui tratado pode ser sustentada, do ponto de vista jurídico, pelo fato de que o tipo de ocupação geralmente propiciado por plataformas como o Airbnb – de curto prazo e menos comprometida com a conservação das estruturas comuns do edifício – teria um inerente impacto adverso na salubridade, segurança e sossego dos condôminos que utilizam suas unidades como residências fixas, e, muitas vezes, com a moderna popularização do home office, também como local de trabalho.
Nesse contexto, é plenamente justificável, razoável e proporcional que a comunidade que compõe o condomínio, mediante deliberação de sua maioria qualificada (dois terços das frações ideais), decida impedir a disponibilização de unidades para uso temporário de curto prazo, decisão esta que seria, em última análise, consequência do legítimo exercício do direito de propriedade por parte de cada um dos condôminos.
Quais outros importantes temas e aspectos jurídicos devem mobilizar o setor Imobiliário ao longo de 2022?
André Della Togna: O ano de 2022, o qual é marcado pelas eleições presidenciais, será de incertezas para o mercado imobiliário. A alta da taxa Selic (atualmente em 9,25% e com projeção de 11,25% ao ano, de acordo com o último Relatório de Mercado Focus, divulgado pelo Banco Central) tende a elevar os juros dos financiamentos imobiliários e, ao mesmo tempo, a inflação com perspectiva de permanecer elevada (IPCA com projeção de 5,03%), diminuem o poder de compra da população e aumentam o custo dos imóveis, em especial os que ainda estão em fase de lançamento ou de construção.
Sob o aspecto regulatório e urbanístico, espera-se a revisão do Plano Diretor do Município de São Paulo (a qual deveria ter ocorrido em 2021, mas foi prejudicada por conta da pandemia de Covid-19) – a lei, que define as diretrizes para o desenvolvimento da cidade e a forma de utilização das áreas do município, embora destine-se apenas para a Capital do Estado de São Paulo, costuma ser utilizada como base para os demais municípios, repercutindo, portanto, nacionalmente.
Rubens Pieroni Cambraia: Embora, de forma geral, os Tribunais tenham se mostrado refratários à ideia de interferir nos índices de correção monetária adotados por locador e locatário, o descontrole da inflação e a disparidade entre os índices oficiais ainda deve gerar discussões ao longo de 2022. O embate ganha força com a concessão de algumas liminares (que substituem o IGP-DI) pelo IPCA, com o projeto de lei 1.026/2021 que veda a correção de locação residencial ou comercial acima do IPCA, e com o novo índice criado pela FGV para capturar a variação de aluguéis (IVAR).
Ruy Janoni Dourado: O ano também deve ser marcado pela crise de crédito e a consequente inadimplência, que acarretará despejos e desocupações, em certa medida limitados por conta da pandemia. De outro lado, o Sistema de Garantias lançado pelo Governo Federal pode viabilizar que um único imóvel sirva a diversas operações de crédito e financiamento, com barateamento do crédito e relevante impacto no mercado imobiliário.
Confira mais destaques da conversa com advogados especialistas no Direito Imobiliário:
André Della Togna: “O ano de 2022, no setor imobiliário, deve ser marcado também pela possível evolução do posicionamento do STF e dos Tribunais locais acerca da tese de não incidência do Imposto de Transmissão (ITBI) na integralização de bens imóveis no capital social de pessoas jurídicas, independentemente de a receita operacional da empresa que receber o imóvel ser preponderantemente imobiliária”.
Rubens Pieroni Cambraia: “Embora referidos precedentes possam nortear futuras decisões, é importante salientar que o STJ tratou de casos bastante específicos (debate sobre aluguéis via plataformas digitais como o Airbnb), nos quais praticamente se descaracterizava a natureza residencial do imóvel. Vale dizer, não é o uso do aplicativo – que viabiliza locações com diversas características, inclusive por prazos mais longos – que está em discussão, mas o uso que se faz dele e outras diversas plataformas digitais disponíveis”.
Ruy Janoni Dourado: “Por afetar direitos constitucionais, é esperado que a discussão continue perante o STF, que poderá esclarecer os contornos do direito de propriedade, da liberdade e da livre iniciativa, e de eventual direito adquirido, em contraposição a outros direitos igualmente constitucionais, tais como da função social da propriedade, da segurança, dentre outros”.