Burocracia e excesso de responsabilidade são causas de estresse e ansiedade em empreendedores

Especialistas afirmam que o exigente mercado de trabalho, ao qual se aliam fatores como a instabilidade econômica do Brasil, aumenta as chances de adoecimentos mentais nesse segmento da população.

christiann-koepke-dQyS2pMYtok-unsplash (1)Casos entre os empreendedores chamam atenção por estarem muito acima da média nacional. (Foto: Unsplash)

Segundo pesquisadores brasileiros da startup Endeavor, cerca de 85% dos empreendedores do País sofrem com a ansiedade. Mesmo que, segundo a OMS, o Brasil seja a população mais ansiosa do mundo, os casos entre os empreendedores chamam atenção por estarem muito acima da média nacional, que é de um a cada quatro indivíduos com o diagnóstico desse transtorno. O professor Marcelo Afonso Ribeiro, do Instituto de Psicologia (IP) da Universidade de São Paulo, analisa as características nacionais que contribuem para os altos números de adoecimento mental.

Segundo o especialista, quando são analisados os transtornos psicológicos, muitas vezes o foco é direcionado apenas para o paciente e suas características individuais, mas as suas relações externas e ambiente de convívio também são responsáveis por gerar adoecimentos. Ele reforça que o Brasil é marcado por uma constante instabilidade econômica, política e social, aliada a períodos de crises e incertezas sobre o futuro que, juntamente com o discurso de necessidade de obter sucesso profissional, contribui para uma maior pressão sobre os trabalhadores.

“Isso vai gerar uma situação em que a pessoa não tem controle sobre o futuro e vai refletindo no corpo e na mente. Essa dificuldade de ter instrumentos para controlar o futuro e dentro de um contexto como o nosso, que é muito mais marcado por incertezas e instabilidades, a tendência dessa ansiedade é aumentar mesmo”, explica.

Conforme o docente, os tipos de trabalho com maiores responsabilidades e cobranças são os que mais provocam adoecimentos mentais. Ele destaca o mercado de trabalho extremamente competitivo, o qual frequentemente estabelece metas e prazos impossíveis de serem cumpridos e, consequentemente, acarreta nos profissionais uma sensação de impotência, fracasso ou desânimo.

“Então isso, quando uma pessoa tem uma quantidade muito grande de trabalho, uma meta de produtividade muito exigente, a chance de aguentar fazer isso por um tempo e depois adoecer é muito grande. Os trabalhos com metas muito grandes, com piores condições de trabalho e com maior responsabilidade aumentam as chances de surgimento de algum tipo de adoecimento mental. Há muito tempo no nosso mercado de trabalho essas metas têm se tornado um pouco amplas demais, algumas vezes impossíveis de serem realizadas”, esclarece.

Desafios no empreendedorismo

O professor Martinho Isnard, da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, acredita que a dificuldade para criar e manter negócios no Brasil é uma grande causa de estresse mental entre os empreendedores. Ele reforça que a burocracia e a parte fiscal do País são muito complicadas e podem gerar estresse mental nessa parcela da população. Aliado a isso, ele destaca as altas demandas enfrentadas pelos empreendedores, os quais precisam lidar com todas as fases e responsabilidades de seus empreendimentos.


“Um empregado sempre faz uma pequena parte do negócio, já o empreendedor tem que fazer tudo, desde vender, entregar, produzir e contabilizar, ou seja, ele tem que fazer o todo da empresa, é uma tarefa difícil. Além disso, os desafios para conseguir empreender, aqui no Brasil, podem levar esse profissional a ter problemas de transtornos mentais, porque é realmente muito difícil a pessoa administrar todas as regras, todas as leis que existem, toda a parte jurídica e tributária, mesmo para um pequeno empreendedor”, analisa.

Soluções

Para o especialista, é fundamental que o empreendedor tenha boa relação com outros profissionais e uma boa orientação jurídica de profissionais capacitados para superar os desafios de manter um negócio. Ele reforça a necessidade de criação de círculos de amizade entre os empreendedores para compartilhamento de ideias e troca de ajuda, a fim de que todos adquiram experiência e recebam auxílio nos momentos de tensões em seus negócios.

“É essencial também ter um bom contador, alguém que possa dar uma orientação adequada principalmente nessa parte jurídica e tributária, que muitas vezes atrapalham esse empreendedor e seu negócio. Também é importante contar com um sócio ou alguma outra pessoa para dividir as responsabilidades, principalmente nessa parte inicial do projeto. Caso não haja essa possibilidade, alguém da própria família ou de confiança pode auxiliar, porque nesse momento de início as demandas são maiores”, esclarece Isnard.

Já no âmbito geral, Ribeiro afirma que a melhora nas condições de trabalho, flexibilização das metas e uma possível redução da jornada de trabalho são propostas que teriam impactos positivos na diminuição dos transtornos mentais dos profissionais. Ele explica que o trabalho deveria ser um espaço de realização pessoal e contribuição social, mas parece estar gerando um efeito oposto: o de adoecer as pessoas.

“Então é preciso repensar as metas que possam gerar maior equilíbrio entre os papéis de trabalho e social para gerar melhores condições, com o intuito de que as pessoas possam, gradativamente, retomar o espaço do trabalho como um local de satisfação e realização. Óbvio que, às vezes, vão ter problemas e dificuldades, mas esses fatores nunca devem ser superiores à realização e à satisfação de realizar um trabalho”, finaliza.