Silvia Matos, FGV IBRE: 'Acomodação do crescimento em 2025 será bom, a depender da composição do PIB”
Especialista analisa o cenário econômico e perspectivas para o PIB do ano que vem.
Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro IBRE. (Foto: Divulgação)
Em março deste ano, coordenadora do Boletim Macro IBRE, alertou sobre orisco de termos as mesmas surpresas positivas para o PIB como houve em 2023. Após sete meses da declaração, a especialista retoma o tema em entrevista ao FGV IBRE.
Ao comentar, em entrevista para a Conjuntura Econômica de março, se este ano haveria risco de termos as mesmas surpresas positivas para o PIB como houve em 2023, seu alerta foi o de que em 2024 o importante seria observar a composição do crescimento, mais do que o número em si. Nesse sentido, como avalia o desempenho da atividade até aqui?
Esse diagnóstico continua valendo de fato. Há questões estruturais, vindas de reformas, da composição do mercado de trabalho – mais formal – que colaboraram para uma melhora do PIB potencial. Ainda que seja difícil medir esse potencial, entendemos que hoje ele se encontra entre 1,8% e 2%.
Em 2023, o Boletim Macro IBRE conseguiu cravar a projeção de crescimento para o chamado PIB cíclico – sensível à política monetária, que abarca segmentos como a indústria e o investimento. Se observarmos o crescimento do PIB em 2023, de 2,9%, identificaremos que ele só não foi inflacionário porque envolveu um choque de oferta. O componente exógeno, onde estão o agronegócio e o setor extrativo, respondeu por 60% desse crescimento – somente o agronegócio respondeu por 1 ponto percentual do PIB de 2023. E como mencionei, choques de oferta também tendem a ser desinflacionários, foi acompanhado de queda de preço de alimentos, colaborando não só para o PIB, como para o bolso dos consumidores. Outra característica importante foi que o impulso do PIB veio de atividades que conseguiram agregar valor, são menos intensivas em mão de obra, ganhando em produtividade.
Este ano, por sua vez, o que temos visto é um desempenho menos pujante do agronegócio, e o setor extrativo provavelmente fechará com um desempenho positivo, mas baixo. Há fatores positivos como a recuperação da indústria e do investimento, e uma reação mais generalizada da economia. Mas a demanda doméstica é estimulada por um forte estímulo ao consumo – seja das famílias, com transferências, seja do governo, que no primeiro semestre foi impulsionado por obras, por exemplo, em geral impulsionadas em ano de eleições municipais. Esperamos alguma acomodação do PIB no segundo semestre. Mesmo assim, são choques inflacionários, na direção oposta ao observado no ano passado. Esse estímulo encontra restrições de oferta, o que pode ser identificado, por exemplo, no mercado de trabalho, com a taxa de desemprego baixa, e salários subindo acima da produtividade – especialmente no setor de serviços, intensivo em mão de obra, caracterizado por uma baixa produtividade média.
Como havia mencionado naquela entrevista, se estivéssemos crescendo menos, teríamos menos preocupação inflacionária. Mais recentemente, observamos ao crescimento forte se somou um choque de oferta – que não sabemos bem ainda o impacto total, fruto do efeito das secas nos preços de alimentos e energia. Isso tudo converge para o diagnóstico de um PIB forte, mas com um cenário preocupante para a inflação, o que levou o Banco Central a subir juros.
Como avalia a trajetória da Selic daqui em diante?
Não consigo vislumbrar uma queda de juros tão cedo. Mesmo que em 2025 haja certa acomodação do crescimento, não sabemos até que ponto o governo de fato conseguirá controlar os gastos. Toda incerteza fiscal acaba gerando um horizonte mais preocupante para a inflação. Então, novamente, mesmo que haja um crescimento um pouco mais baixo para o ano que vem, mais próximo de 2%, ainda teremos que observar como será sua composição, e qual será o comportamento da política fiscal. Recentemente vimos uma agência de classificação de risco melhorar a nota de crédito do Brasil (a Moody’s, de Ba2 para Ba1, mantendo perspectiva positiva), mas sabemos que no campo fiscal ainda estamos distantes da entrega necessária para o equilíbrio das contas públicas. Com isso, o juro real de equilíbrio fica mais alto, segurando parte da economia. Cabe ao Banco Central reagir a esse quadro, e vemos que tampouco o cenário externo tende a ajudar muito. Ainda que os Estados Unidos estejam em trajetória de queda de juros, ainda há questionamentos sobre a sustentabilidade dessa tendência, já que a demanda não está totalmente contida.
Um ponto positivo é que as estimativas iniciais para 2025 dão conta de um desempenho melhor do agronegócio – isso se a seca não comprometer as safras de soja e milho principalmente –, e também para a indústria extrativa, com a entrada em operação de novos campos de petróleo. Nesse sentido, podermos crescer em torno dos 2% com uma composição mais favorável em termos de inflação. Resta saber se conseguiremos desacelerar a parte cíclica da atividade, pois as restrições já se mostram presentes em indicadores como o do mercado de trabalho. O IGP-DI de setembro, divulgado ontem, ilustra bem esse quadro: o custo da mão de obra no setor da construção alcançou 7,73% no acumulado em 12 meses.
Considera que em 2025 ainda estaremos sujeitos a novas surpresas para o PIB, ou o principal elemento do radar será o comportamento da política fiscal?
Veja, o mundo prós-pandemia trouxe surpresas de crescimento da atividade no mundo todo. Não foi algo exclusivo do Brasil. Houve muitos elementos, como estímulos fiscais, mudanças no comportamento de consumo, mais difíceis de avaliar. Em 2023, de fato tivemos uma forte surpresa do PIB agrícola e extrativo. Outro elemento importante é o desafio de se medir o PIB potencial, pois os modelos que usamos usam a referência o dado do que já aconteceu. Lembro-me quando fizemos uma revisão nos anos 2000, em que não tínhamos noção de que o PIB potencial naquele período havia chegado próximo dos 4%. Descobrimos isso depois. Este ano, o FMI revisou o PIB potencial brasileiro para 2,5%, em um contexto complexo, de choques importantes, que dificultam ainda mais esse cálculo.
Há um fator interessante no caso de PIB commoditizado como o nosso, que são os efeitos dessa atividade na arrecadação. Por exemplo, o PIB do setor extrativo tem um forte efeito sobre a arrecadação fiscal, pois há repasses, participações especiais, com potencial efeito econômico importante. E teremos que observar, de fato, o rumo da política fiscal, pois nos preocupa que se mantenha expansionista.