A fragilidade do mercado de trabalho
Pesquisador do FGV IBRE faz traz uma mostragem detalhada dos efeitos da pandemia nas atividades econômicas do país.
Os eventos associados à pandemia da Covid-19 elevaram de forma extraordinária o nível de incerteza em relação ao desempenho da economia e tiveram impactos negativos sobre a atividade econômica e em especial sobre o mercado de trabalho brasileiro.
Paulo Peruchetti, pesquisador do FGV IBRE, faz uma avaliação desses impactos, apontando uma queda sem precedentes do emprego iniciada em março do ano passado, quando a pandemia começou a se disseminar pelo mundo.
“Ao longo da recessão iniciada no segundo trimestre de 2014 e que durou até o quarto trimestre de 2016 houve uma forte redução do emprego no Brasil, principalmente no final de 2016, quando as quedas observadas na população ocupada foram de quase 3%, em relação ao mesmo mês, do ano anterior. Desde então, a população ocupada no Brasil estava crescendo a taxas robustas, chegando a apresentar um crescimento de 2,9% em maio de 2019”.
Ao analisar o mercado de trabalho no Brasil na última edição do Boletim Macro FGV IBRE (colocar link para o Boletim), Peruchetti explica que “após este longo período de expansão da população ocupada, houve, a partir de março, uma forte retração do emprego no país. Após crescer 1,8% em fevereiro de 2020, em relação ao mesmo mês do ano anterior, a população ocupada no Brasil apresentou queda de 2,5% em março, 9,2% em abril, 10,7% em maio, 12,1% em junho, chegando ao patamar de queda de 14,2% em julho, a maior já observada ao longo da série histórica mensalizada, superando largamente as quedas observadas ao longo da recessão de 2014-2016” Vale ressaltar que os resultados observados, entre março e julho, na série de emprego que considera a média móvel trimestral foram atenuados devido a inclusão de meses cujo crescimento da população ocupada havia crescido de forma mais robusta ou caído menos. Nesta série original, por exemplo, houve baixo crescimento do emprego em março de 2020, algo próximo a 0,4%, em relação ao mesmo trimestre móvel do ano anterior, e quedas de 3,4%, 7,5%, 10,7% e 12,3% em abril, maio, junho e julho, respectivamente. Já no trimestre móvel terminado em maio de 2021, houve uma elevação do emprego de 0,9%, quando comparado com o trimestre móvel terminado em maio de 2020. No ano de 2020, o recuo do emprego no Brasil foi de 7,9%.
Depois de chegar no fundo do poço, teve início uma recuperação do emprego, ainda que de forma desordenada, com a concentração em alguns setores. “Em março, aponta Peruchetti, quando a economia já dava sinais de maior vigor, a queda a queda do número de pessoas ocupadas foi de 4,9%, em comparação com o observado em março de 2020. Já no mês de maio, como era de se esperar, houve uma forte reversão na dinâmica interanual da taxa de crescimento de modo que neste mês o emprego cresceu 5,6%, em comparação com maio de 2020. Este resultado, no entanto, deve ser interpretado com cautela tendo em vista a sua base de comparação que foi muito desfavorável”.
Taxa de Crescimento da População Ocupada
(em relação ao mesmo mês do ano anterior)
Para Peruchetti, uma outra forma de analisar a dinâmica do emprego é a partir dos dados dessazonalizados, cujo crescimento toma como base o mês imediatamente anterior.
“Quando analisamos o crescimento do emprego na margem é possível notar que o mês cuja queda foi mais dramática foi o mês de abril de 2020, cujo recuo em relação ao mês de março havia sido de 7%. Os três meses subsequentes também foram de queda, embora em patamar bem menor. Entre agosto do ano passado e fevereiro deste ano notamos taxas positivas de crescimento da população ocupada, porém cada vez menores, indicando uma desaceleração da recuperação do emprego. No mês de março o emprego apresentou um recuo de recuou 0,2%, seguido de uma ligeira elevação de 0,5% em abril e de um aumento um pouco maior em maio (1,7%)”.
Taxa de crescimento da população ocupada
(em relação ao mês imediatamente anterior)
Segundo a avaliação de Peruchetti, esses resultados apontam “para uma lenta recuperação do emprego que fica ainda mais visível quando se compara a evolução do emprego em relação a fevereiro de 2020, período antes da pandemia. Apesar de vários indicadores apontarem para uma melhoria da atividade econômica nos últimos meses, o emprego tem se recuperado de forma mais lenta, encontrando-se 6,4% abaixo do nível observado em fevereiro de 2020, influenciado principalmente pela baixa recuperação do setor de serviços”.
Evolução do emprego
(série com ajuste sazonal (fevereiro2020=100)
Em consequência, a taxa de desemprego permanece elevada (14,6% no trimestre móvel terminado em maio de 2021, alcançando 14,8 milhões de desempregados). Somando-se o elevado contingente de mão de obra que se encontra subutilizada (32,9 milhões de pessoas), os dados evidenciam que os desafios para o mercado de trabalho são imensos.
Peruchetti acredita que com o elevado grau de incerteza que ainda permeia a atividade econômica, embora os indicadores de Confiança do FGV IBRE mostrem um maior otimismo, a recuperação do mercado de trabalho deverá ocorrer principalmente por meio de ocupações informais, reproduzindo o padrão observado no período anterior a pandemia. Além disso, os trabalhadores de menor escolaridade provavelmente terão grande dificuldade de inserção na força de trabalho, devido ao avanço de tecnologias que favorecem os trabalhadores mais qualificados, como o aumento do trabalho remoto. Isso reforça ainda mais a necessidade de capacitação da mão de obra para o mercado de trabalho.
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Algumas observações devem ser levadas em conta quando se analisa o atual mercado de trabalho brasileiro.
1 - O Banco Central publicou recentemente uma análise no Box do Relatório de Inflação de junho de 2021 mostrando alguns desafios pelos quais tem passado a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) por conta da mudança na forma de coleta de informações de presencial para telefone em decorrência da pandemia, que pode estar gerando uma redução da taxa de respostas, especialmente nos grupos com indivíduos nas primeiras entrevistas a partir do segundo trimestre de 2020. Na análise, cujo objetivo era identificar os efeitos da redução da taxa de respostas da PNAD Contínua em importantes indicadores econômicos da pesquisa, concluiu-se que o possível viés de seleção em variáveis observáveis ligadas à demografia não parece ter implicado mudanças relevantes em estimativas agregadas de ocupação e participação no mercado de trabalho. O estudo pode ser acessado aqui.
2 - Diante do atual cenário de elevadas distorções causadas pelo avanço da pandemia do coronavírus, as informações de alta frequência são cada vez mais relevantes para que possamos entender os seus desdobramentos na economia brasileira. Em função disso, diversos pesquisadores têm estudado formas de mensalizar os indicadores da Pnad Contínua, de modo a terem informações mais precisas do atual momento do mercado de trabalho brasileiro, eliminando, assim, os efeitos da média móvel presentes nas divulgações oficiais do IBGE e obtendo fatos estilizados para cada um dos meses. Dentre estes trabalhos, podemos citar o artigo proposto por Hecksher (2020), pesquisador do IPEA, e o trabalho proposto no Box do Relatório de Inflação de junho de 2020, divulgado pelo Banco Central, que embora usem métodos diferentes, encontram resultados similares. Dada a relevância do atual cenário de elevada incerteza, faz-se necessário o esforço de desenvolvimento de técnicas que possam capturar os impactos mensais da pandemia no mercado de trabalho brasileiro.
(Fonte: FGV IBRE)