Formar médicos em regiões desprovidas reduziria disparidades no Brasil
Não é só dinheiro: profissionais valorizam atuar nos locais de nascimento ou graduação, conclui estudo.
Para o estudo, foram coletadas informações sobre o universo de médicos generalistas formados no Brasil entre 2001 e 2013 (Foto: Pixabay)
No Brasil, como em outros países desenvolvidos e em desenvolvimento, a escassez de médicos em algumas regiões é resultado de desigualdades na distribuição geográfica desses profissionais: se em determinadas áreas a oferta de médicos é abundante, em outras é insuficiente para cobrir as necessidades da população.
Dados do Conselho Federal de Medicina de 2018 mostram que o número de médicos por mil habitantes está acima de 10 em algumas capitais e regiões metropolitanas — taxa muito superior à observada na maioria dos países desenvolvidos —, mas não passa de 2,1 no interior. Por outro lado, há ampla evidência na literatura econômica mostrando que a falta de profissionais qualificados nas áreas rurais e menos desenvolvidas constitui importante barreira para a melhoria da saúde da população.
Não se sabe exatamente, entretanto, se políticas de incentivo financeiro são capazes de aumentar a proporção de médicos em áreas desassistidas. Para responder a essa pergunta, é necessário entender os fatores — inclusive diferenças salariais — que determinam a oferta de médicos em cada região do país e como os médicos reagem a alterações nesses fatores.
Em estudo recentemente aceito para publicação, Francisco Costa (University of Delaware), Letícia Nunes (Insper) e Fabio Miessi (BI Norwegian Business School e Insper) simulam os efeitos de diferentes políticas públicas sobre a distribuição geográfica de médicos no Brasil. Para o estudo, foram coletadas informações sobre o universo de médicos generalistas formados no Brasil entre 2001 e 2013. Os autores observaram características individuais de 49.989 médicos — idade, gênero, local de nascimento, faculdade onde estudou —, o local onde esses médicos escolheram para trabalhar logo após o término da faculdade e atributos desses locais — salário médio real, medidas de qualidade da infraestrutura de saúde e das amenidades locais (qualidade das escolas, da segurança, do transporte público etc.).
Com essas informações, o estudo analisou como as características dos médicos e das regiões afetam onde esses profissionais escolhem trabalhar. Os resultados indicam que os principais fatores por trás da escolha dos médicos são proximidade do local onde eles nasceram ou estudaram. Maiores salários e uma melhor infraestrutura de saúde e das amenidades locais também importam, mas em uma escala consideravelmente menor do que estar próximo ao local de nascimento ou graduação.
Além disso, as preferências são heterogêneas de acordo com a qualidade e o prestígio da faculdade de medicina na qual os médicos se formaram. Aqueles que se formaram em melhores escolas valorizam mais as amenidades locais, são mais inelásticos aos salários, obtêm menor valor para retornar à sua região de nascimento e são os mais inclinados a permanecer no local de graduação.
Em seguida, usando simulações, foi avaliado o efeito de três políticas públicas. Primeiro, um aumento de 50% nos salários dos novos médicos que aceitem atuar no interior do Norte e do Nordeste — onde a escassez de médicos é mais visível. Segundo, a abertura de vagas de medicina em áreas onde a oferta é mais baixa relativamente ao tamanho da população local. Terceiro, a criação de quotas em faculdades de medicina já existentes para estudantes nascidos em regiões com maior escassez de médicos.
Os resultados mostram que políticas baseadas na expansão do número de vagas em escolas de medicina em regiões onde a oferta de médicos é baixa ou quotas para estudantes nascidos nessas regiões reduziriam em mais da metade a desigualdade regional na distribuição de médicos. A política baseada em salário produziria uma redução de apenas 12%.
Custo-benefício das políticas
Por fim, o estudo comparou o custo-benefício de cada uma dessas políticas. Os resultados desse exercício sugerem que a política de quotas teria o melhor custo-benefício, isto é, apresentaria bons resultados em termos da redução de desigualdade a custos relativamente mais baixos. A política de abertura de escolas de medicina no interior viria em segundo lugar, também com uma boa relação custo-benefício. Oferecer maiores salários para atrair médicos para áreas carentes apresenta um custo anual consideravelmente maior do que as duas políticas anteriores.
O estudo indica que políticas que almejem reduzir as desigualdades na distribuição de médicos pelo Brasil, para serem efetivas, devem contemplar outras dimensões além de incentivos financeiros para médicos. Aumentar a oferta de vagas de medicina em regiões mais pobres e pensar em maneiras de levar estudantes dessas regiões às escolas de medicina parecem alternativas importantes a serem consideradas.
Os autores ressaltam, entretanto, que, apesar de as políticas de quotas apresentarem o melhor custo-benefício, entender quais as implicações delas para o bem-estar da sociedade é tarefa difícil. Já a abertura de escolas em lugares desassistidos também constitui um grande desafio e deve ser tratada como objetivo de longo prazo e preservando a qualidade do ensino.
Fonte: Por Insper Conhecimento