A era dos humanos digitais: você já pode conversar com eles

Com expressões humanas, eles aprendem por meio da interação e se comunicam como se você estivesse diante de pessoas em carne e osso.

Albert Einstein digital
Albert Einstein digital: você já pode bater um papo com o pai da Teoria da Relatividade (Foto: Reprodução/Insper Conhecimento)

 

Eliza buscava se comportar como uma psicóloga, ainda que de repertório limitado. Estava preparada para responder às dúvidas das pessoas, desde que as perguntas fizessem parte de uma lista prévia. Mas ela não tinha um corpo físico. Eliza era um chatbot, o primeiro da história. Foi desenvolvido em 1964, no Laboratório de Inteligência Artificial do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos.

Em 1972, ela seria colocada para dialogar com Parry, outro robô que simulava interações humanas. Mas este havia sido desenvolvido, dentro da Universidade Stanford, para se comportar como um paciente de esquizofrenia. Parry foi testado por uma banca de psiquiatras, e 52% deles acreditaram que ele era uma pessoa de carne e osso.

Datados de cinco décadas atrás, esses dois exemplos comprovam que, devidamente treinados, os robôs podem aprender a simular interações naturais com pessoas. A partir do final dos anos 1980, os casos de uso de multiplicaram. O Jabberwacky, de 1988, a A.L.I.C.E., de 1995, a Smarterchild, de 2001, e o Watson, de 2006, acabaram por desembocar em soluções de comunicação, como a Siri (assistente virtual da Apple) e a Alexa (da Amazon), que ganharam mercado na última década.

E assim o atendimento por chatbot e por aparelhos que compreendem comandos de voz se disseminou. Agora o mercado de tecnologia está pronto para o próximo passo — a era dos humanos digitais, com expressão facial e de voz. Eles vão permitir que o atendimento ao consumidor alcance um novo estágio: processos como comprar um carro, agendar uma consulta, realizar uma transação financeira ou alterar a data de entrega de uma nova geladeira poderão ser realizados como se o cliente estivesse em chamada de vídeo, conversando com um atendente parecidíssimo com pessoas reais.

Essa mudança não está na ficção científica, nem num futuro distante. Já existem empresas disponibilizando esses serviços.

 

Albert Einstein vive

O mercado de chatbots vai crescer 30% até 2024, na projeção da empresa de consultoria MarketsandMarkets, Atualmente, um em cada quatro consumidores utiliza o serviço e 69% consideram a experiência excelente ou muito boa. No Brasil, segundo a pesquisa Panorama Mobile Time, de 2021, desde o início da pandemia, a procura por bots cresceu 83%. Hoje já existem 47 mil diferentes modelos de robôs capazes de sustentar uma conversação, ante 24 mil apenas um ano antes. Até 2025, na previsão da consultoria Gartner, 95% de todas as interações de empresas com os consumidores serão mediadas por inteligência artificial.

O cenário para texto e voz está consolidado, mas faltava algo: parte significativa da comunicação humana acontece nas expressões faciais e no tom de voz. O comando por voz já facilita o acesso para clientes com dificuldades na linguagem escrita, mas o contato facial apresenta benefícios universais — e lucros muito maiores, quando se pensa que consumidores conectados emocionalmente a uma marca se declaram quatro vezes mais fiéis e gastam, em média, duas vezes mais.

Além disso, há a importância de que essas máquinas tenham suporte para elementos naturais da fala humana, como o contexto e a pragmática, destaca André Filipe de Moraes Batista, professor do Insper na área de inteligência artificial e coordenador técnico do Centro de Ciência de Dados. “A habilidade de entender aspectos como a fonética e a morfologia é importante para essas máquinas, mas também a questão da pragmática é vital. Imagine duas pessoas conversando e uma fala para outra: ‘Nossa, as janelas estão todas abertas! Como está frio aqui!’. Nessa situação, não é incomum que ouvinte entenda que é um pedido, embora indireto, para fechar a janela. Fazemos isso diversas vezes em nosso cotidiano, e não será diferente na comunicação com as máquinas”.

Agora a tecnologia permite alcançar essa nova etapa. Em abril de 2021, a empresa de inteligência artificial Uneeq, fundada quatro anos antes na Nova Zelândia, apresentou um Albert Einstein digital, para marcar o centenário do Prêmio Nobel de Física conquistado pelo pai da Teoria da Relatividade. O Einstein digital tem todos os trejeitos do físico alemão, nascido em 1879 e falecido em 1955. Até mesmo o tom de voz é parecido, e foi programado para contar histórias a respeito de sua vida e suas pesquisas. Você pode experimentar conversar com o Einstein digital sobre a Teoria da Relatividade e outros temas clicando aqui.

O Einstein digital é um garoto-propaganda da tecnologia, que permite desenvolver diferentes atendentes, com perfis os mais variados. Em junho de 2021, os humanos digitais da UneeQ superaram 1,5 milhão de minutos de conversação — sinal não só de que o software tem sido amplamente utilizado, como também de que já está acumulando rodagem para melhorar a experiência das pessoas que buscam o serviço.

Para uma corporação especializada em veterinária, a Virtual Net Nurse, a Uneeq desenvolveu Sophie, uma humana digital com conhecimentos de veterinária suficientes para realizar consultas online. Foi muito bem recebida — a companhia contratou o serviço depois que descobriu que 80% dos atendimentos giram em torno das mesmas 20 perguntas.

A UneeQ é parceira também de empresas como a consultoria Deloitte, que mantém seu próprio projeto na direção de implementar atendentes humanos digitais, que podem ser integrados a todas as plataformas de interação desenvolvidas pelos principais players do mercado.

Sophie, humana digital
Sophie, outra humana digital criada pela empresa de inteligência artificial UneeQ (Reprodução/Insper Conhecimento)

 

Para além dos filmes

No universo do entretenimento, figuras digitais que se parecem humanos se tornaram comuns nas últimas décadas — ficaram especialmente populares graças à produção do longa-metragem Tron, de 1982, o primeiro filme a utilizar figuras digitais em larga escala, uma técnica que depois se disseminaria na indústria, com dezenas de exemplo que incluem o ator Brad Pitt envelhecido para o filme O Curioso Caso de Benjamin Button, os protagonistas de Avatar e o vilão Thanos, que aparece em cinco filmes produzidos pela Marvel.

Mas desenvolver humanos digitais realistas capazes de interagir livremente com pessoas, ajustando seus discursos e as informações que serão disponibilizadas de acordo com o fluxo de fala de um consumidor de Nova York ou do interior da Indonésia, é um desafio completamente diferente. Para alcançar o Albert Einstein realista, foi preciso que a IA se desenvolvesse, os chatbots se tornassem comuns no mercado — e, aí sim, as tecnologias utilizadas por Hollywood para gerar figuras realistas se mostrassem úteis.

Como resultado, os humanos digitais alcançaram o grau de evolução tecnológica e aceitação social que levaram o Gartner a inclui-los em seu relatório “Emerging Technology Hype Cycle” de 2021. Até 2030, segundo a empresa Emergen Research, este mercado valerá quase 528 bilhões de dólares, resultado de um crescimento anual médio de 46%.

Prepare-se: se ainda não teve essa experiência, em breve, você vai conversar com um humano digital.

Fonte: Insper Conhecimento